A primeira grande rainha da Europa
«A
visão era impressionante. Gutierre de Cárdenas caminhava solenemente pelas ruas
de Segóvia, geladas e varridas pelo vento, a espada real mantida com firmeza à
sua frente, segura pela ponta, e a empunhadura para o alto. Atrás dele, vinha
um novo monarca, uma mulher de vinte e três anos, de altura mediana a baixa,
cabelos louro-avermelhados e olhos verde-azulados, cujo ar de autoridade era
acentuado pela ameaça da arma de Cárdenas. A espada era um símbolo do poder
real tão forte quanto qualquer coroa ou cetro. Aqueles que enfrentavam o ar
frio e cortante de Segóvia para ver a procissão sabiam que aquela espada
significava a determinação da jovem de fazer justiça e impor sua vontade pela
força. As joias reluzentes de Isabel de Castela falavam de magnificência
régia, enquanto a espada de Cárdenas ameaçava violência. Ambas indicavam poder e
a disposição de exercê-lo. Os espectadores estavam estupefactos. O pai e o
meio-irmão de Isabel, os dois reis que governaram a turbulenta Castela pelos
setenta anos anteriores, não eram famosos pelo uso do poder. Haviam deixado que
outros governassem por eles.
No
entanto, ali estava uma mulher, por mais incrível que fosse, declarando-se
determinada a governá-los ela própria. Alguns na multidão murmuravam que nunca
haviam visto nada igual, relatou um dos presentes. Os descontentes não tinham nenhum
escrúpulo em contestar o direito de uma mulher de governá-los e não precisavam
ficar de boca fechada. A monarquia fraca de Castela tornara-se objecto de
deboche, desobediência e franca rebelião. Durante décadas, os reis do país não
passaram de joguetes para uma parte daqueles aristocratas poderosos, arrogantes
e proprietários de terras, que já se referiam a si próprios como os Grandes,
a alta nobreza espanhola. Aquela mulher que alegava ser sua nova rainha em um
dia de Dezembro de 1474 pode ter aparecido em seus trajes e jóias mais
magníficos, mas somente um pequeno número de Grandes, sacerdotes e outros altos
dignitários a acompanhava. Era um sinal de que seus problemas iam além do seu
género e da condição de fragilidade da monarquia de Castela.
Afinal,
Isabel não era a única pretendente ao trono, nem era a pessoa designada como
tal pelo monarca anterior. Aquilo era, em resumo, o golpe antecipado de uma
usurpadora. Ninguém podia ter certeza de que iria dar certo. Castela era o
maior, mais forte e mais populoso reino naquela que os romanos (e seus
herdeiros visigodos) chamaram de Hispânia e que hoje está dividida entre os
dois países da Península Ibérica, Portugal e Espanha. Com mais de quatro
milhões de habitantes, era significativamente mais populosa do que a Inglaterra
e um dos maiores países da Europa Ocidental. O reino que Isabel reclamava era o
resultado de uma lenta conquista de seis séculos de terras que haviam sido
ocupadas pelos muçulmanos, conhecidos pelos cristãos como moros, ou mouros, que
atravessaram os quinze quilómetros de águas turbulentas que separam a Espanha
do Norte da África no estreito de Gibraltar e varreram a Ibéria no começo do
século VIII.
A
história recente de Castela nada tinha de gloriosa e sua experiência de rainhas
regentes era tanto distante quanto tida como deplorável. Ninguém vivo podia se
lembrar de como era ter um monarca forte, enquanto lutas internas e vizinhos
problemáticos, Aragão a leste, o reino muçulmano de Granada ao sul e Portugal a
oeste, continuavam a absorver grande parte de sua energia. Lidar com esses três
países e com o pequeno, mas em geral irritante, reino nortista de Navarra era
praticamente tudo que conseguia fazer em termos de aventuras estrangeiras,
embora a família real muitas vezes buscasse parceiros de casamento no exterior
e a própria Isabel se vangloriasse tanto de uma mãe portuguesa quanto, em
Catarina de Lancaster, uma avó inglesa.
Mais
ao norte, a França continuava sendo uma potência muito maior, que Castela tinha
o cuidado de não perturbar. Os que observavam o desfile de Isabel pelas ruas
frias de Segóvia não podiam saber que estavam testemunhando os primeiros passos
de uma rainha destinada a se tornar a mulher mais poderosa que a Europa já vira
desde a era romana. Essa rainha de Espanha, chamada Isabel, não teve igual nesta
terra por quinhentos anos, um visitante maravilhado do Norte da Europa
proclamou um dia, admirando o temor e a lealdade que ela provocava entre os
castelhanos mais humildes e os mais poderosos Grandes. Não se tratava de um
exagero. A Europa possuía uma experiência limitada com rainhas regentes, e
menos ainda com rainhas regentes bem-sucedidas.
Poucas
das que se seguiram a Isabel tiveram um impacto tão duradouro. Apenas Elizabeth
I, da Inglaterra, a arquiduquesa Maria Teresa, da Áustria, Catarina, a Grande,
da Rússia (ofuscando uma formidável antecessora, a imperatriz Elizabeth) e a
rainha Vitória, do Reino Unido, podem rivalizar com ela, cada qual em sua
própria era». In Giles Tremlett, Isabel de Castela, Editora Rocco, 2018, ISBN
978-853-253-099-8.
Cortesia de ERocco/JDACT
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