A primeira grande rainha da Europa
«Em nenhum lugar isso foi mais
verdadeiro do que em sua tentativa de completar a chamada Reconquista,
derrotando o antigo reino muçulmano de Granada. Isabel admirava Joana D’Arc,
mas não fez nenhuma tentativa de imitá-la liderando tropas em batalha. Isso era
trabalho de homem e ela acreditava firmemente na divisão dos sexos (bem como de
classes, fé religiosa e grupos étnicos).
Nesse, e em muitos outros
aspectos, ela era não só uma mulher de seu tempo, mas uma extremamente conservadora.
Nem ela sentia alguma necessidade de fingir qualquer forma de masculinidade,
embora os homens geralmente achassem que só podiam explicar seu extraordinário
sucesso atribuindo-lhe algumas de suas próprias qualidades masculinas. Enquanto
Elizabeth I mais tarde viesse a proclamar ter o coração e o estômago de um
rei, Isabel preferia expressar um espanto furioso de que como uma mulher
frágil ela fosse muito mais ousada e beligerante do que os homens que a
serviam.
A Castela que ela reclamava o
direito de governar devia seu nome aos castelos, ou castillos, que pontilhavam
um reino esculpido em séculos de guerra e conquista de terras muçulmanas. A
identidade de seu país foi moldada em torno de seu papel como uma nação das
Cruzadas, defensora da fronteira sul do cristianismo. As distintas regiões de
Castela deviam sua existência, ainda, aos diferentes estágios de uma
Reconquista que tivera início nas montanhas que assomavam sobre a costa da
Cantábria, ao norte, e se espalhavam lentamente pela região mais ampla,
conhecida como Velha Castela. Essa região ficava ao norte de uma cordilheira
central de montanhas e serras de cumes nevados, que incluíam as cadeias
Guadarrama e Gredos.
A Velha Castela (juntamente com
as terras onde a Reconquista foi desmanchada e obteve seus primeiros sucessos,
nas Astúrias, no País Basco e na Galícia) era limitada ao norte e a oeste por
uma linha costeira perigosa e inóspita. Incluía o próprio Fim da Terra, ou Finisterra,
da Espanha, onde deslumbrados romanos maravilharam-se com o sol se pondo por
trás da borda ocidental do mundo conhecido. Essa antiga parte de seus domínios
estruturava-se em torno de uma rede de belas cidades muradas, como Segóvia,
Ávila, Burgos e Valladolid, que se tornaram ricas graças ao comércio de lã.
Todo o Outono, os rebanhos de ovelhas seguiam em direcção ao sul pelas
montanhas, ou pelos passos, como Isabel dizia, para os seus pastos de Inverno
na região que se tornara conhecida como Nova Castela.
Esta região era presidida pela
antiga Toledo, com suas igrejas magníficas, mesquitas e sinagogas convertidas, que
juntas simbolizavam séculos de coexistência religiosa na Espanha. Mais ao sul e
a oeste ficava a próspera Andaluzia, com suas férteis planícies, portos no Atlântico
e a maior cidade do país, Sevilha, como sua florescente capital. Longe, para
leste, ficava a escassamente povoada terra de fronteira de Múrcia, que oferecia
a Castela portos no Mediterrâneo. A Estremadura, na fronteira ocidental de
Castela com Portugal, também devia muito de sua natureza à sua própria condição
de fronteira.
Pelas paisagens diversificadas e
em geral acidentadas de Castela, do noroeste húmido e verde ao sueste árido, semelhante
a um deserto, a violência de Isabel era dirigida contra aqueles que se opunham
ao seu golpe de usurpadora, desafiavam a autoridade real ou ameaçavam a pureza
de seu reino. A limpeza étnica e religiosa levou milhares à fogueira, dezenas
de milhares foram banidos e muitos mais forçados a se converter ao
cristianismo. Judeus e muçulmanos foram apagados da população oficial da
Espanha, forçando muitos a esconderem a sua verdadeira fé. Sua nova Inquisição (maldita) estatal, dirigida pela monarquia, usava
frágeis provas e confissões extraídas sob tortura para levar à fogueira conversos
cuja impureza racial geralmente era a única base real para suspeitas sobre suas
crenças. E foi durante o seu reinado que os espanhóis cristãos de linhagem
judaica começaram a se ver formalmente categorizados como súbditos de segunda
classe. São actos terríveis pelos padrões éticos actuais, mas foram amplamente
aplaudidos em uma Europa que via com desdém a mistura de religiões da Espanha.
Muitos se perguntavam por que os espanhóis levaram tanto tempo para fazer o que
eles próprios haviam feito há séculos.
Limpeza
étnica ou religiosa, escravização e intolerância não eram vistas com maus
olhos. Podiam, na verdade, ser virtuosas. Entretanto, mesmo pelos parâmetros de
sua própria época, Isabel era considerada severa. O próprio Maquiavel fez
comentários sobre a crueldade piedosa praticada nos reinos de Isabel. Em
público, ela aperfeiçoou uma forma distante de realeza impassível, mas por trás
disso havia uma mulher de convicções intensas e inabaláveis. Somente Fernando e
um punhado de frades cristãos austeros e severos, a quem ela recorria em busca
de orientação moral, pareciam capazes de fazê-la mudar de ideia». In
Giles Tremlett, Isabel de Castela, Editora Rocco, 2018, ISBN 978-853-253-099-8.
Cortesia de ERocco/JDACT
JDACT, Giles Tremlett, Espanha, Cultura, Conhecimento,