«O Alfa-Romeo atravessou as ruas do burgo a toda a velocidade, porque o capitão também adoptara a forma suicida de direcção romana e, antes de poder dizer amém, estávamos cruzando a Porta Santa Anna e deixando atrás os barracões da Guarda Suíça. Se eu não gritei, nem quis abrir a porta e sair durante o trajecto, foi graças à minha origem siciliana e a que, quando jovem, tirei a carteira de motorista em Palermo, onde os sinais de trânsito servem de enfeite e tudo se baseia na relação de forças, o uso da buzina e o vulgar senso comum. O capitão parou bruscamente o veículo num estacionamento que ostentava uma placa com seu nome e desligou o motor com expressão satisfeita. Aquele foi o primeiro traço humano que pude observar nele e me chamou muito a atenção; sem dúvida, dirigir-lhe encantava. Enquanto caminhávamos até ao arquivo por passagens do Vaticano desconhecidas até esse momento para mim, atravessamos um moderno ginásio, cheio de aparelhos, e um polígono de tiro que eu nem sabia que existia. Todos os guardas com os que íamos cruzando paravam ante nós e saudavam marcialmente Glauser-Róist.
Um
dos assuntos que mais aguçara minha curiosidade através dos anos era a origem
dos chamativos uniformes multicoloridos da Guarda
Suíça. Por desgraça, nos documentos catalogados do Arquivo Secreto não existia
nenhum documento que confirmasse ou desmentisse que o desenho fora realizado
por Miguel Ângelo, como se comentava, mas eu confiava que o documento
apareceria um dia entre a enorme quantidade de papéis ainda por estudar. Em
qualquer caso, Glauser-Róist, ao contrário de seus companheiros, pareci a nunca utilizar o uniforme, pois nas duas
ocasiões que o vira, estava à paisana e, com roupa muito cara para o magro
soldo de um pobre guarda suíço.
Cruzámos em silêncio
o vestíbulo do Arquivo Secreto, passando na frente do escritório fechado do
reverendo padre Ramondino e entrámos no elevador. Glauser-Róist introduziu sua flamante
chave no painel. Você trouxe as fotografias, capitão? Perguntei com curiosidade
enquanto descíamos para o Hipógeo. Trouxe doutora. A cada vez parecia mais com
uma afiada rocha áspera. Onde haviam encontrado um tipo assim? Então suponho
que começaremos a trabalhar agora mesmo, não é? Agora mesmo. Meus funcionários
ficaram boquiabertos quando viram passar Glauser-Róist pelo corredor em direcção
ao laboratório. A mesa de Guido Buzzonetti estava dolorosamente vazia naquela
manhã.
Bons dias, exclamei em voz alta. Bons dias, doutora, murmurou
alguém para não me deixar sem resposta. Mas, se o silêncio mais fechado nos
acompanhou até a porta de meu escritório, o grito que eu deixei escapar ao
abri-la se escutou até no Foro Romano. Jesus! O que aconteceu aqui? Meu velho
escritório fora desmontado sem misericórdia até um dos cantos e, em seu lugar,
uma mesa metálica com um gigantesco computador ocupava o centro dele. Outros
aparelhos de informática foram colocados sobre pequenas mesinhas de metacrilato
retiradas de algum escritório em desuso e dezenas de cabos e conectores
percorriam o solo e as laterais de minhas velhas estantes. Tapei a boca com as
mãos, horrorizada, e entrei pisando com tanta precaução como se estivesse
caminhando entre ninhos de cobras». In Matilde Asensi, O Último Catão, 2005, Editora Dom
Quixote, ISBN 978-972-202-904-9.
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DACT, Matilde Asensi, Literatura, Vaticano, Conhecimento,