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«Com o apoio das forças populares (que em alguns casos expulsaram os
alcaides dos castelos), apoderou-se de muitas povoações: Leiria, Coimbra, Montemor-o-Velho,
Feira, Gaia, Porto. Os moradores de Guimarães tinham também prometido
entregar-lhe a vila, mas um nobre fiel ao rei, ajudado por grande número de cavaleiros,
impediu a realização do plano: este-facto fê-lo incorrer em tal ódio dós povos
que o rei o autorizou a afortalezar a residência, para poder resistir à vingança
dos moradores da região. Numa segunda campanha, o infante avançou sobre Lisboa;
o rei saiu ao seu encontro, mas as tropas do concelho, que o acompanhavam, desertaram
e passaram-se para o lado de Afonso. O último episódio da luta desenrolou-se em
Santarém, que também tomara o partido do infante. O rei penetrou com os seus
cavaleiros na povoação contra a vontade dos moradores, houve um combate
sangrento e Dinis foi obrigado a ceder, decretando a expulsão do reino e o confisco
dos bens de Afonso Sanches, a demissão do nobre que se distinguira na defesa de
Guimarães. Deram-se garantias de paz de lado a lado e perdoaram-se mutuamente ‘ofensas’,
Dinis morreu pouco depois (1325).
A orientação política do partido triunfante afirma-se logo no início do
reinado: reunião de cortes para a repressão das usurpações e dos abusos dos
poderosos, revogação dos coutos e honras concedidos durante os últimos vinte
anos do reinado anterior.
Afonso Sanches e numerosos nobres refugiados em Castela tentaram a guerra,
mas esta limitou-se a episódios fronteiriços, sem nenhum apoio no interior do
País. Um filho bastardo de Dinis foi acusado de conluio com os rebeldes, e foi
julgado e degolado. Os considerandos que fundamentam a sentença são uma espécie
de declaração política: os reis existem para darem a cada um, por igual, o seu
direito, e por esse caminho os povos possam ter vida, mercê e bem. A traição ao
rei é um dos mais graves crimes que existem:
- “tanto contra Deus, como contra os reis que representam Deus na Terra, como contra o Povo que deve querer sempre a vida, prole, honra e saúde do rei, porque este é a vida do povo, o seu prole e a sua honra”.
O número de legistas imbuídos do espírito centralizador do direito
romano aumenta na corte e a sua influência é visível numa enorme obra
legislativa que, visando aperfeiçoar a administração judiciária, a vai progressivamente
centralizando. É deste reinado a imposição dos “juízes de fora”, isto é,
magistrados nomeados pelo rei que irão pouco a pouco substituindo os juízes
eleitos pelos moradores dos concelhos. O “regimento dos corregedores”, do fim
do reinado, acentua o movimento no sentido de considerar a justiça como função
do Estado. A intromissão dos poderosos nas actividades judiciais foi proibida sob
penas severas; a vingança privada, velho costume de os nobres ajustarem entre
si os seus conflitos, foi proibida com pena de morte.
A preocupação de “justiça” no sentido de igual tratamento de grandes e
pequenos anima a acção do rei. Nas resoluções tomadas depois das Cortes de
Lisboa de 1352 (e provocadas para remediar a falta de mão-de-obra rural
resultante da peste negra de 1348) determina-se que se observem as antigas
posturas sobre o trabalho obrigatório dos mancebos. Mas recomenda-se ‘que façam
igualdar [igualar] os mancebos e os obreiros entre o povo, de guisa que os pobres
sejam igualdados com os ricos’.
O reinado de Pedro I (1357-1367) mantém com firmeza essa linha. O
cognome “o Justiceiro” relaciona-se com isso. Diziam os povos, escreveu Fernão
Lopes, que nunca tais dez anos houve em Portugal como aqueles em que reinou
el-rei Pedro I. Esse sentimento exprimia a saudade dos tempos, que depois se
não repetiram, da aliança entre a coroa e as forças populares». In José Hermano
Saraiva, História Concisa de Portugal, Publicações Europa América, 1995.
continua
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