jdact
«Foi um período de grandes e contínuas excitações sociais, na vida de
Inglaterra, o século XV.
Durante muitos e muitos anos o país se viu convulsionado por nefastas
contendas, ora de carácter externo ora de natureza interna.
Primeiro, foi a guerra, longa e perniciosa, com os franceses, para
defesa das províncias que a Inglaterra tinha no continente. A seguir, foi a Guerra
das Duas Rosas, que assolou o próprio território da ilha e através da qual duas
poderosas casas principescas, a de Lancastre e a de York, se digladiaram
inexoravelmente na disputa da coroa, arrastando no torvelinho dos seus
interesses pessoais toda a população.
O turbulento conflito tinha as suas raízes no final do século
transacto. A casa de Lancastre, saída do terceiro filho de Eduardo III, João de
Gand, duque de Lancastre, ocupava o trono desde que Henrique de Lancastre
(reinando sob o nome de Henrique IV), havia, em 1399, destronado Ricardo II,
filho do Príncipe Negro e neto daquele rei Eduardo. Esta casa usava nos seus
escudos uma rosa vermelha.
Por seu turno, a casa de York, de não menos prosápias, ostentava, em
oposição àquela, uma rosa branca como distintivo, e descendia de Edmundo de
Langley, duque de York, que fora o quarto filho de Eduardo III. Este ramo
tinha-se aliado, pelo casamento, à família de Clarence, saída de Leonel, segundo
filho do mesmo rei Eduardo, e havia herdado os seus direitos à coroa inglesa
por sanção do Parlamento em 1385.
Os dois últimos soberanos reinantes, Henrique IV e Henrique V, eram da
estirpe dos Lancastres, e, por morte deste segundo, em 1422, fora proclamado rei
seu filho, Henrique VI, não obstante a sua pouca idade. Ele tinha nascido oito
meses antes, no ano anterior, no castelo de Windsor
Quase ao mesmo tempo, morria, também, Carlos VI, rei da França, e
Henrique VI, neto deste monarca, recebia igualmente a coroa daquele reino na
sua cabeça infantil, sobre a qual iriam desabar tão acidentados acontecimentos.
Os dois tios do rei-bebé, o duque de Bedford e o duque de Glourcester,
tomaram conta do poder em nome do sobrinho e ocuparam a regência dos dois
países. O primeiro encarregou-se dos assuntos da França, enquanto o segundo
ficou a tratar dos negócios ingleses.
Bedford desde logo se viu a braços com a guerra que os franceses lhe
declararam, na reivindicação do trono da sua pátria para Carlos VII, e sobre os
quais conquistou, de início, grandes sucessos pelas armas.
Entretanto, na Inglaterra, Gloucester, decerto por temer a acção dos
pretendentes ao trono, promoveu a coroação do reizinho, tinha este apenas oito
anos, de idade. Pode imaginar-se a reacção do pequenito, de olhos muito abertos
perante a complexidade das impressionantes cerimónias incompreensíveis para o
seu espírito inocente, ainda pedindo brinquedos, da sua coroação, tendo por cenário
esmagador a majestade grandiosa de Wesminster!
Ás coisas em França parece que não estavam a correr bem para os
contingentes militares ingleses, especialmente peio impulso patriótico dado aos
exércitos franceses por uma simples e mística camponesa de Domremy, que gozava
de extraordinário prestígio entre os seus. Joana d'Arc se chamava essa varonil
figura de donzela-guerreira, protegida por Deus, ao que se murmurava.
Para obviar ao perigo iminente que a acção dessa
mulher podia levar aos direitos de Henrique VI, os tios fizeram passar o
pequeno monarca à França, onde foi corcado em 1431 na famosa catedral de Nossa
Senhora de Paris. Após a solenidade, seguiu o reizinho para Rouen, onde residiu
durante o julgamento de Joana D'Arc, presa devido a monstruosa felonia de alguns
nobres seus compatriotas». In
Américo Faria, Dez Monarcas Infelizes, Livraria Clássica Editora, colecção 10,
Lisboa, s/d.
Cortesia de Livraria Clássica Editora/JDACT