terça-feira, 3 de abril de 2012

Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista. António Quadros. «A este respeito, aquele historiador da filosofia portuguesa tem aliás no seu livro sobre “A Filosofia Hebraico-Portuguesa, duas páginas altamente esclarecedoras das relações entre o messianismo de Bandarra, o messianismo judaico ortodoxo e o sebastianismo»


jdact

«A trova seguinte deu oportunidade a uma das mais conhecidas interpretações do padre António Vieira (o Encoberto seria João IV):

LXXXVIII
Saia, saia esse infante
bem andante,
o seu nome é D. João,
tire, e leve o pendão,
e o guião
poderoso, e triunfante.
Vir-lhe-ão novas num instante
daquelas terras prezadas,
as quais estão declaradas,
e afirmadas
pelo Rei dali em diante.

Numa outra leitura desta trova, teríamos “D. Foão”, em vez de D. João. Diz Pinharanda Gomes, com fundamento, que os “fiéis judeus prefeririam ler D. Foão (fulano, ‘do hebraico’ feloni, de falah, ‘ocultar’), “por estar mais de acordo com a tradição sapiencial e, de certo modo, por inefabilizar o nome do Messias”.
A este respeito, aquele historiador da filosofia portuguesa tem aliás no seu livro sobre “A Filosofia Hebraico-Portuguesa", duas páginas altamente esclarecedoras das relações entre o messianismo de Bandarra, o messianismo judaico ortodoxo e o sebastianismo. Vale a pena transcrevê-las, pois são essenciais para compreender a natureza complexa do messianismo sebastianista português, reunindo elementos de muito diversa origem.
Gonçalo Anes Bandarra (f. 1566) surdiu naqueles anos que Abravanel e Zacuto haviam preconizado como decisivos; e quando a exegese bíblica privilegiava o Antigo Testamento; e quando a sociedade cristã-nova se agudizava ainda mais numa crise interna da fé e numa crise externa das relações com a sociedade portuguesa, Bandarra não serviu o messianismo judaico, nem as trovas são consideráveis imaculadas de heterodoxia relativamente à messianologia sinagogal, mas serviu, em primeiro lugar, a esperança dos “marranos” e, em segundo lugar, o projecto restauracionista e nacionalista. De 1531 a 1540, as “Trovas” carecem do condicionalismo que mais as valoriza, a sujeição de Portugal à monarquia castelhana. E, embora pudessem encontrar aceitação nos meios marranos, verdade é que o sapateiro de Trancoso saiu do processo que o Santo Ofício lhe movera (1541) sem pena grave, apenas sancionado a participar na procissão. O judaísmo das profecias bandárricas é menor, ainda que judaicamente motivado, quer na forma, quer na perspectiva, mas o nacionalismo que nelas se descobriu, a partir da edição glosada de João de Castro (1603) e corroborada pelo marquês de Nisa (1644) é muito mais efectivo do que o judaísmo, cuja sombra só voltaria a toldar as “Trovas” após a restauração, de onde a proibição das mesmas, emanada em 1665 do Santo Oficio (maldito)». In António Quadros, Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista, Guimarães Editores, Colecção Filosofia e Ensaios, Lisboa, 1983.



Continua
Cortesia de Guimarães Editores/JDACT