Sociedade e Economia
«(…) Em teoria, a autoridade do
imperador não tinha limites, excepto aqueles impostos pelas leis divinas. No
capítulo pf 12 avaliar-se-á a definição ideal de imperador bizantino. No
entanto, aqui, estamos preocupados com a prática, e, na prática, o imperador
era um homem que habitava o palácio imperial de Constantinopla, longe dos
olhares públicos, rodeado pela sua corte. Mais do que nunca, devia a sua
posição a um princípio de hereditariedade mal formulado, mas respeitado; em
alternativa, poderá ter sido apontado pelo seu antecessor, escolhido por um
grupo influente ou pode ter ficado a dever o trono a uma rebelião bem-sucedida.
Por mais estranho que pareça, o Estado bizantino nunca desenvolveu uma teoria
de sucessão imperial. Um homem tomava-se imperador por vontade de Deus, a
eleição era assinalada pela aclamação por parte do exército e do senado e oficializada,
a partir do século V, por uma coroação religiosa realizada pelo patriarca de
Constantinopla. Para quem observava de fora, este sistema parecia curiosamente
instável e mal definido: alguns autores árabes acreditavam que o imperador
romano devia a sua posição a uma vitória e seria dispensado se não tivesse
êxito. Mas, quaisquer que fossem as circunstâncias da tomada de posse do
imperador, este não poderia governar o Império sozinho. Os seus principais
ministros seriam escolhidos a seu bel-prazer e o poder efectivo que os mesmos
exerciam não era expresso pelos seus títulos. Alguns imperadores, os mais
fortes, assumiram um papel preponderante na condução dos assuntos, enquanto
outros ficavam satisfeitos se os pudessem relegar à responsabilidade de um
parente ou a um ou mais oficiais do Estado. Embora se acreditasse, de um modo
geral, que o imperador tinha o dever de liderar o seu exército no campo de
batalha, muitos imperadores não o faziam, quer fosse por incapacidade pessoal,
quer porque receavam uma rebelião na capital durante a sua ausência. Existem
tantas variações, que o mais correcto é falarmos de um governo em termos do
palácio imperial e não em termos do imperador. A sociedade a que o imperador
presidia devia supostamente ser governada com base na ordem. As partes
constituintes são descritas de várias maneiras nas nossas fontes. Às vezes
encontramos um sistema tripartido: exército, clero e agricultores. Também
nos é dito que o exército se situava na primeira linha da organização política,
ou que as ocupações fundamentais eram a agricultura e o serviço militar, em que
os agricultores alimentavam os soldados, enquanto os soldados protegiam os
agricultores. Do século VI, existe uma classificação muito mais complexa da
sociedade civil, na qual se distinguem dez categorias, nomeadamente: 1) o clero; 2) os juízes; 3) os
senadores; 4) os financeiros; 5) os técnicos profissionais; 6) os comerciantes; 7) os artesãos e produtores de
matérias-primas; 8) os servos; 9) os inválidos (ou melhor, e por
outras palavras, os idosos, os doentes e os loucos); 10) os artistas (cocheiros, músicos, actores) .
Por mais interessantes que estas
classificações possam ser, elas não nos revelam o funcionamento da sociedade
bizantina. Antes de tentarmos construir um modelo mais realista, devíamos
começar pelo Período Inicial, e considerar, por momentos, os serviços do
Estado, o governo municipal, a Igreja, os ofícios e profissões urbanos e,
finalmente, as actividades agrícolas. Todo o serviço imperial, quer militar
quer civil, era designado pelo termo militia
(strateia em grego). Dentro dele, o exército formava o maior
grupo: a sua força total para o Oriente e para o Ocidente em finais do século IV
era composta por seiscentos e cinquenta mil soldados. Não nos devemos
surpreender com um número que poderia parecer, à partida, elevado, se tivermos
em conta que estamos perante uma população total de provavelmente mais de
quarenta milhões de habitantes. Porém, tratar-se-á, por outro lado, de um
número efectivamente alto, considerando-se o modo como o baixo rendimento da
economia bizantina do Período Tardio constituíra um fardo considerável
sobre a sociedade. A seguir às reformas de Constantino, o exército passou a ser
composto por dois organismos principais: uma força móvel de comitatenses e uma milícia
de limitanei, cujos
números para o Império do Oriente foram, respectivamente, cerca de cem mil e
duzentos e cinquenta mil homens. Os comitatenses
não tinham acampamentos permanentes, sendo habitualmente alojados nas
cidades, onde poderiam ser chamados a desempenhar deveres policiais (o Império não
tinha uma força policial regular). Alguns queixavam-se de que, como resultado,
os soldados tornavam-se brandos e impunham privações insuportáveis nas cidades que
não precisavam de protecção.
Os limitanei, por
outro lado, eram recrutados localmente entre os agricultores, os quais se
encarregavam do fornecimento às guarnições militares dos fortes fronteiriços,
nos períodos em que não estavam a trabalhar no cultivo dos campos. Não eram
vistos como sendo particularmente eficazes. O historiador Agathias destaca que
Justiniano, o maior dos conquistadores bizantinos, não tinha mais de cento e
cinquenta mil homens armados espalhados pelas várias províncias, na fase final
do seu reinado, quando a defesa do Império necessitaria de quatro vezes mais
homens». In
Cyril Mango, Bizâncio, O Império da Nova Roma, 1980, Edições 70, 2008, ISBN
978-972-441-492-8.
Cortesia de E70/JDACT
JDACT, Cyril Mango, História, Cultura e Conhecimento,