«(…) Ela rola o pequeno cavalo branco sobre o lábio inferior. É macio como manteiga. Em algum momento, talvez eu possa casar-me novamente. Eu poderia torná-la rainha, ele declara. Katherine sente gotículas de saliva perto da orelha. Está brincando, majestade, diz, forçando uma pequena gargalhada. Talvez, ele grunhe. Talvez não. Ele quer filhos. Todos sabem que ele quer filhos. Anne Bassett lhe daria muitos bebés, ou uma garota dos Talbot, dos Percy ou dos Howard. Não, não uma Howard, ele teve duas rainhas Howard e mandou ambas para o patíbulo. Ele quer filhos e Katherine não teve nada em dois casamentos a não ser um bebé morto secreto. A ideia cai sobre ela como uma bala de canhão: a ideia de fazer um filho com Seymour, o belo Seymour, um homem no auge da vida. Seria um pecado que tal homem não procriasse. Katherine se repreende silenciosamente por alimentar um pensamento tão ridículo. Mas ele se recusa a ser reprimido e fica germinando ali no fundo. Ela precisa de toda a sua força de vontade para manter os olhos afastados de Seymour, para se concentrar no jogo e agradar ao rei. Katherine vence.
O pequeno grupo de espectadores
recua um pouco, como uma multidão prevendo uma grande explosão, quando ela
exclama: Xeque-mate. É disso que gostamos em você, Katherine Parr, diz o rei,
rindo. Os observadores relaxam. Você não nos diverte perdendo, como todos os
outros que pensam que nos agrada sempre vencer. Ele segura sua mão. Você é
honesta, completa, puxando-a para perto, acariciando seu rosto com dedos
encerados. A sala observa e Katherine está ciente do sorriso irreverente do
irmão quando o rei faz uma concha com as mãos, aperta sua boca húmida na orelha
dela e murmura: Venha ver-nos em particular mais tarde. Katherine se debate em
busca de resposta. Majestade, fico honrada, diz. Profundamente honrada que
queira passar tempo sozinho comigo. Mas com meu marido falecido tão
recentemente, eu… Ele põe um dedo sobre os lábios dela para silenciá-la,
dizendo: Não precisa explicar. Sua lealdade brilha. Admiramos isso. Você
precisa de tempo. E terá para ficar de luto pelo seu marido. Nisso faz sinal
para que um dos seus arautos o ajude a se levantar da cadeira e, apoiando todo
o peso nele, manca em direcção à porta, seguido pela sua comitiva. Katherine vê
o arauto tropeçar no pé do rei. O braço do rei voa, dando-lhe uma forte bofetada
no rosto, como a língua de um sapo apanha uma mosca. O barulho da conversa
para.
Saia
da minha frente, idiota. Quer que lhe cortem o pé por ser desastrado?, diz o
rei num rugido, fazendo o pobre arauto fugir às pressas assustado. Outro toma o
seu lugar e tudo continua como antes. É como se nada tivesse acontecido,
ninguém comenta. Enquanto procura a irmã, Katherine pode sentir que a atmosfera
da sala mudou, voltou-se para ela. As pessoas abrem espaço para ela passar,
lançando elogios como flores, mas Anne Bassett e sua mãe olham de soslaio do
outro lado da sala. Sua irmã é como uma ilha nesse mar dissimulado. Preciso
sair deste lugar, Anne, ela diz. Lady Mary se retirou, ninguém vai se importar
se você for, a irmã responde. Além do mais, ela completa com uma cotovelada
descontraída, parece que nada que você fizer vai estar errado. Irmã, isso não é
brincadeira. Há um preço para esse tipo de vantagem. Você está certa, diz Anne,
de repente séria. Estão ambas pensando em todas aquelas rainhas infelizes. Ele
só estava seduzindo. Ele é o rei…, tem o direito de fazer isso, imagino…, não é
nada sério…, Katherine diz atropelando as palavras. Mas é melhor eu ficar longe
da corte por algum tempo. Anne assenta com a cabeça. Vou acompanhá-la até a
porta. Está quase escuro no pátio e finos flocos de neve brilham na luz das
tochas debaixo das arcadas. Boa parte da neve suja está novamente congelada e
os criados pisam com cuidado sobre as pedras. Um grande grupo chega, desce dos cavalos
fazendo barulho, e a quantidade de pajens e arautos que aparecem para recebê-los
sugere que devem ter certa importância. Katherine nota os olhos arregalados e o
sorriso de desprezo de Anne Stanhope, que ela conhece desde a infância, uma
menina vingativa e arrogante com quem partilhou por vezes a sala de aula real,
tantos anos atrás. Stanhope desliza diante delas, de nariz empinado, empurrando
o vestido de Anne com o ombro ao passar, como se não a tivesse visto, sem
cumprimentar nenhuma das irmãs Parr». In Elizabeth Fremantle, Xeque-mate da
Rainha, 2013, Editora Paralela, Editora Schwarcz, 2016, ISBN 978-858-439-003-8.
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