Arquitectura e Urbanismo: o contexto Português
«(…) Uma rua nova foi traçada de modo que a Igreja é o seu extremo visual e físico. À sua esquerda abre-se uma praça quadrada. Para ela dá o palácio do bispo, de planta em U, com o pátio encerrado por um terraço, articulando-se com a igreja através da torre e também um segundo palácio, destinado a albergar o rei nas suas deslocações a Mafra, com uma fachada monumental e original. É constituída por dois corpos simples que ladeiam uma grande fonte de características barrocas, alimentada por um aqueduto, com cerca de 2 Km, construído para o efeito. A casa da câmara nunca foi construída. A ligação entre o palácio episcopal e a igreja é feita por um terraço exterior, que dá acesso à Sala das Bênçãos, que abre simultaneamente para a Praça e para o interior da igreja. A produção artística em Portugal no século XVIII não foi acompanhada por produção teórica.
Aliás não existia ensino institucionalizado, e os artistas eram encarados como praticantes de um ofício como qualquer outro. Os arquitectos mereciam algum reconhecimento, mas porque estavam geralmente integrados nos quadros militares. A experiência da Academia de Roma, fundada em 1720, por dom João V, não serviu para inverter este cenário uma vez que o ensino estava nas mãos de artistas bastante secundários. Foi encerrada em 1728 (segundo Ayres Carvalho) ou 1760 (segundo J. A. França), por conflitos com a Santa Sé. Em finais do século, o clima artístico é confuso. Tudo está em aberto, tudo é discutível e tudo é discutido. Há uma ruptura dos códigos vigentes e, sem a sua substituição, por falta de uma dinâmica na teorização, está aberto o caminho às mais variadas experiências. O século XVIII é uma época de intensiva internacionalização, dispersão e regionalização dos estilos e soluções arquitectónicas de que o classicismo passa então a surgir como apenas mais uma proposta. A esfera do que era legítimo em arquitectura alarga-se incomensuravelmente: às influências regionais e mundiais do ponto de vista geográfico, ao romano, ao gótico e às arquitecturas primitivas e orientais no que respeita à cronologia.
Dá-se uma fundamental alteração no panorama da produção arquitectónica: os velhos mestres da Aula do Risco (Manuel Maia, Eugénio Santos, Reinaldo Manuel) já não vivem. Tal facto propicia um certo esquecimento das antigas matrizes e abre espaço para a emergência de arquitectos com uma formação fundamentalmente diferente, muitas vezes adquirida no estrangeiro, e aos próprios estrangeiros. É nesse ambiente que o barroco, tardiamente, desaparece e surge como gosto oficial o neoclassicismo. Este estende-se a todo o país e tem grande força sobretudo no Norte e na sua capital, sob nítida influência do neo-palladianismo inglês. Podem citar-se algumas obras significativas do neoclássico da Invicta como a Cadeia da Relação (1765-1796), o Hospital de Santo António (1770), o Palácio da Bolsa (1839) e a Igreja e Confraria da Santíssima Trindade (1848). Outro exemplo também no Norte é a Casa de Câmara da Póvoa do Varzim, cuja arcaria foi traçada por Reinaldo Oudinot.
Este ambiente não é exclusivo de Portugal. Em Itália, país com forte influência por cá, ao apogeu do barroco segue-se um período muito complexo, de influências variadas e correntes mais ou menos assumidas. A cultura arquitectónica torna-se ecléctica no sentido em que existe uma versatilidade de escolhas e de opções, uma procura das tradições, quer elas sejam académicas e clássicas, quer sejam barrocas, originando, ao mesmo tempo, um Barroco tardio de feição clássica, o Rococó ou mesmo os sistemas inovadores que terminarão no Neoclassicismo mais próximo de meados de setecentos. Homens contemporâneos vão ensaiando experiências diversas: Carlo Fontana (1638-1714) ligado ao classicismo académico, Juvara (1678-1736) também assumindo a mesma tendência, mas de uma forma menos ortodoxa ou Vittone, adepto do Rococó, são alguns exemplos.
Voltando a Portugal, em Coimbra também a reforma pombalina da Universidade de Coimbra deixou na cidade a marca do recém-introduzido neo-classicismo, desta feita de feição pombalina. Dois edifícios emblemáticos são o Laboratório Chimico e o Museu de História Natural (1779). Os projectos ficaram a cargo de Guilherme Elden, militar inglês ao serviço do exército português. O Museu apresenta uma fachada em três corpos, com o corpo central encimado por frontão triangular e entrada por arcaria tripla. Embora o neoclássico já se mostrasse de forma tímida e isolada, em alguns pormenores da obra de Carlos Mardel ou na Capela de São Roque, ainda no reinado de João V, apenas na segunda metade do século se torna uma opção. Em Lisboa, um dos principais nomes ligados ao neoclássico é o já referido José Costa Silva (nascido em 1747), autor da ópera de São Carlos (1793), do projecto do Erário Régio e colaborador no plano para o Palácio da Ajuda. Outra referência incontornável é Fabri, que também trabalhou no citado Palácio da Ajuda (1802), e realizou o Hospital da Marinha de Santa Clara e, fora de Lisboa, a Igreja matriz de Tavira. Na esfera da corte, o neoclassicismo assume-se na obra de maior vulto nesse final de século, o Palácio da Ajuda, cuja construção, iniciada em 1797 nunca terminou de facto, ficando o construído muito aquém do projecto original, tendo a edificação atravessado um processo muito complexo, com avanços e recuos sucessivos». In Cátia Gonçalves Marques, Departamento de Arquitectura da FCTUC, Junho de 2004.
Cortesia de FCTUC/JDACT
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