terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

O Exército Perdido de Cambises. Paul Sussman. «Tara torceu a boca, fingindo indignação. Como se atreve a falar assim das minhas crianças? Elas choram de saudade de mim…»

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Londres, meses mais tarde

«(…) Não quero que a inflamação subcutânea se espalhe. Pode ir tranquila, boa viagem, disse Alexandra. Vou telefonar no final da semana para saber se aconteceu alguma complicação. Quer parar de se preocupar? Vai dar tudo certo. Acredite ou não, o zoo pode sobreviver sem você por duas semanas. Tara sorriu. Alexandra tinha razão. Ela ficava sempre ligada demais no seu trabalho. Era uma característica que herdara do pai. Eram as primeiras férias, propriamente falando, que tirava em dois anos, e sabia que tinha de aproveitar ao máximo. Apertando o braço de sua assistente, disse: Desculpe, estou exagerando, não é? Bem, não acha que as cobras vão sentir saudades suas, acha? Elas não têm sentimentos. Tara torceu a boca, fingindo indignação. Como se atreve a falar assim das minhas crianças? Elas choram de saudade de mim todas as noite que passo fora. Ambas acharam graça. Tara pegou o gancho de serpentes e, juntas, recolocaram a cobra no depósito. Tem a certeza de que vai saber colocá-la de volta? Claro, afirmou Alexandra. Pode ir sossegada. Tara apanhou o seu casaco, o capacete, e dirigiu-se para a porta. Antibióticos até sexta-feira, lembre-se. Vá embora, pelo amor de Deus! E não se esqueça de retirar a pedra dela. Meu Deus, Tara!

Alexandra agarrou um pedaço de pano e arremessou-o. Tara agachou-se, rindo, e fugiu corredor abaixo. E não se esqueça de usar os óculos protectores quando for apanhá-la, advertiu falando por sobre os ombros. Sabe como a safada fica depois que é medicada! O tráfego da tarde estava pesado, mas ela era bastante hábil em se enfiar nas brechas com sua motobike, cruzando o Tamisa pela Ponte Vauxhall e indo rápida, nos últimos três quilómetros até Brixton. De vez em quando, consultava o relógio. O seu voo estava marcado para dali a três horas e ela não tinha sequer arrumado a mala. Que mer…!, resmungou por dentro do seu capacete. Morava sozinha, num apartamento de subsolo cavernoso atrás de Brockwell Park. Comprara-o havia cinco anos com o dinheiro que a mãe lhe deixara, e sua melhor amiga, Jenny, tinha se mudado para o quarto vago como locatária. Durante alguns anos, levaram uma vida ao estilo boémio, livre de preocupações, dando festas uma atrás da outra, trocando de namorados, sem levar nenhum a sério.

Então Jenny encontrara Nick e, alguns meses depois, foram morar juntos, deixando Tara para cuidar sozinha do apartamento. O pagamento da hipoteca quase a levou à falência, mas ela não quis mais nenhum inquilino. Começou a gostar de ter o seu próprio espaço. Uma vez por outra, reflectia se algum dia se acertaria com um homem, como Jenny. E houve uma vez, anos atrás, em que apareceu uma pessoa, mas fazia um bocado de tempo. De modo geral, sentia-se feliz vivendo sozinha. Encontrou o apartamento em total desordem, quando entrou. Serviu-se de um copo de vinho, ligada num CD de Lou Reed, e dirigiu-se para o estúdio, onde com um tapa accionou o botão da sua secretária eletrónica. Uma voz metálica feminina anunciou: Você tem seis mensagens. Duas eram de Nigel, um velho amigo da universidade, a primeira convidando-a para jantar no sábado, a segunda cancelando a primeira porque ele se lembrou que ela ia viajar. Outra era de Jenny, prevenindo-a para não sair em nenhuma excursão em camelos, porque todos os cameleiros eram tarados. Outra era da escola confirmando a palestra que daria sobre serpentes, outra era de Harry, um operador da bolsa que já a vinha perseguindo havia dois meses sem que ela respondesse aos seus recados, e a última era de seu pai». In Paul Sussman, O Exército Perdido, 2005, Bertrand Editora, 2016, ISBN 978-972-253-057-6.

Cortesia de BertrandE/JDACT

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