domingo, 11 de setembro de 2022

A Geração de 70. Uma Revolução Cultural e Literária. Álvaro Manuel Machado. «… Octávio Paz apresenta o exemplo da revolução mexicana, que nos leva igualmente a duvidar da pretensa aceleração da história, pois no México actual estamos mais próximos da época do Vice-Rei…»

jdact

Revolução e Memória

«(…) Assim, no que diz respeito à nossa história, em especial à nossa história cultural e política, a posição dos intelectuais portugueses da geração de 1830, a de Alexandre Herculano, e a da geração de 1870, a de Antero de Quental, relativamente à teoria e à prática da revolução difere, mantendo no entanto pontos comuns essenciais em que, para lá da formação filosófica e política universalista que caracterizou ambas, se denotam elementos específicos da história de Portugal. De facto, para citar apenas Herculano e Antero, ambos participam activamente em movimentos revolucionários com ideias e com acções e ambos acabam por se retirar totalmente do palco da história, profundamente decepcionados. Ambos recorrem ao esquecimento, Herculano através do seu exílio voluntário de Vale de Lobos, Antero através do exílio igualmente voluntário e definitivo do suicídio. Ambos, embora a níveis muito diferentes de psiquismo pessoal, se recusam a aceitar a, digamos, memória artificial, mecânica, de uma revolução que nunca chegou a sê-lo inteiramente, a memória tornada praxis falsamente revolucionária. Ao Antero apolíneo e hegeliano do Hino à Razão opõe-se o Antero nocturno e, afinal, sobretudo baudelairiano (apesar da influência aparentemente predominante de Heine) das Primaveras românticas e em especial destes versos:

Este coração cansado!

O que ele quer é dormir

...O que ele quer é deitar-se

No leito do esquecimento.

(Ao luar)

No fundo, o que esquece Antero? Esquece a própria memória e a sua função historicamente mediadora. Esquece a própria memória, e nisto o seu esquecimento difere essencialmente do de Herculano, o qual, tentando esquecer a decepcionante realidade da evolução política, social e económica da Revolução Liberal de 1820, que acabou no Fontismo, nem por isso renega o valor do movimento revolucionário em si como recuperação de uma memória histórica que sucedesse ao esquecimento momentâneo do passado e à visão utópica do futuro. Daí a sua idealização propriamente romântica do Portugal pré-constitucional até 1385. Antero, pelo contrário, como autêntico revolucionário que foi da Geração de 70 e, portanto, mentor de uma utopia revolucionária mais próxima do século XX, intimamente ligada ao niilismo, esquece a própria memória, nega-a na medida em que nega o Estado como memória da nação, a Igreja como memória da alma, o partido como memória de classe.

Este esquecimento, anarquista no sentido mais absoluto do termo, que é no caso de Antero o de uma anarquia hegeliana do espírito, envolvido momentaneamente na aceleração da história, não pode conduzir senão à morte. Essa morte que está na raíz de uma ilusória aceleração da história. Como diz Octávio Paz:

A aceleração do tempo histórico não passa de uma ilusão. As mudanças e as convulsões que, ora nos angustiam ora nos deslumbram, são talvez muito menos profundas e decisivas do que nós supomos.

E, depois de citar a União Soviética como exemplo típico de uma apenas aparente ruptura entre passado e futuro, verificando-se actualmente a predominância nítida de elementos tradicionais da antiga Rússia (um mundo burocrático e um terror policial semelhantes ao do czarismo), Octávio Paz apresenta o exemplo da revolução mexicana, que nos leva igualmente a duvidar da pretensa aceleração da história, pois no México actual estamos mais próximos da época do Vice-Rei e mesmo do mundo pré-hispânico do que da época da Revolução. In Álvaro Manuel Machado, A Geração de 70 - Uma Revolução Cultural e Literária, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Centro Virtual Camões, Instituto Camões, Livraria Bertrand, 1986.

Cortesia do Instituto Camões/JDACT

JDACT, Instituto Camões, Antero de Quental, Álvaro Manuel Machado, Conhecimento,