Castelo de Toro, Castela
«(…) Todos os escudeiros, pajens
e aios enchiam o pátio, até os criados se perfilavam, tomados de uma súbita
noção de cerimoniai pelo regresso da fidalga. Mas o olhar de Constança ficou
preso numa mulher, ricamente vestida, que mal recordava. Branca Nunes Lara, a
mulher do pai, frente a quem fez a reverência do respeito e pediu a bênção. A
fidalga mostrou-lhe um sorriso franco e estreitou-a nos braços, Constança
exultava. Entrou no castelo, disposta a esquecer o pesadelo. Já sabia tudo
sobre a dor, queria experimentar a ventura.
Depois do descanso e de uma festa
de gala, acordei para a realidade, que nunca se esquecia de regressar às nossas
vidas. Passada a emoção do reencontro com os lugares onde pertencia, sabia que
meu pai voltaria a centrar a atenção no interesse da nossa família Talvez eu
fosse aperas um instrumento nas mãos dos homens, que seguiam a vontade de Deus.
E os maridos de meu pai que, na Terra, podia quase tanto como um monarca
coroado. Não iria permitir que o poder lhe escapasse uma segunda vez. Eu era a
sua arma, que manejaria sem qualquer escrúpulo para vingar a humilhação que lhe
fizera sofrer Afonso XI. Conhecia-o bem, por isso estava ciente de que haveria de
preparar um golpe que pudesse, à vez, estraçalhar a honra pessoal e esmagar o
poder do rei de Castela. Era esse o seu objectivo. Para isso, far-me-ia chegar
bem alto. Era esse também o meu desejo.
Paço de Lisboa, Portugal, dois anos mais
tarde
Senhor, Meu Pai,
A boa nova do herdeiro que trago
no ventre, e por que haveis tão prontamente dado graças, não alterou as minhas
extremas provações nesta corte. El-rei, meu esposo, mantém comigo um trato
humilhante e, por certo, não vos daria conta das sujeições por que passo se o
meu infortúnio não se tratasse também de uma questão de poder, que grande mal pode
trazer para o reino de Portugal. É em grande segredo que vos confio, meu pai,
que a manceba de meu esposo, Leonor Gusmão, vive na corte como se de sua mulher
tomada perante Deus se tratasse. Acompanha-o nos principais acontecimentos cortesãos,
deixando-me a mim no desamparo e na mais completa solidão. Os seus apoiantes,
que são numerosos, pressionam o rei para que legitime os filhos que teve desta
mulher, com quem o soberano alega ter casado em segredo antes de mim. Ajudai-me,
senhor, não queirais ver vossa filha transformada na barregã de Afonso XI de
Castela e o filho que carrego no ventre ser declarado um bastardo. Não aguentaria
mais esta provação. Nem Deus ma poderia fazer passar. Estou disposta a tomar votos
e a recolher-me à Sua casa, meu pai, ou ao vosso reino, se assim mo
permitirdes. Rogo-vos, acudi-me, Vossa filha, Maria» In Isabel Machado, Constança, A
Princesa traída por Pedro e Inês, 2015, A Esfera dos Livros, 2015, ISBN
978-989-626-718-6-
Cortesia de EdLivros/JDACT
JDACT, Isabel Machado, Constança, História, Literatura,