Contexto gerador
«(…) O papa Gregório VII, por
exemplo, em 1075, propõe uma reforma interna da Igreja, começando por combater
os desvios éticos do clero e as intervenções dos laicos nos assumas da Igreja.
Tais propostas confrontam directamente com as pretensões de supremacia do Sacro
Império Romano Germânico, onde cabia ao imperador investir os bispos, e reflectia
uma questão maior, a indefinição de esferas de competência dos poderes temporais
e espirituais. O papa Gelásio, em fins do século V, usa uma metáfora para
ilustrar essa disputa, a doutrina dos dois gládios ou espadas, o espiritual e o
temporal, que por essência representariam as duas naturezas de poder. Os
teóricos medievais patrocinados por cada um dos gládios buscariam, durame toda a
Idade Média, estabelecer a preeminência de um sobre o outro. Os teóricos que
defendem a supremacia do pontífice construirão uma supremacia teórica da Igreja
sobre as outras autoridades laicas e os papas, por meio de acções concretas,
tentariam tornar essas ideias realidade. A forma mais acabada dessa proposta é
a Teocracia Papal, que seria a prerrogativa dos papas em assumas espirituais e
também nos terrenos, pois eles seriam os tutores da Cristandade. Princípios de
subordinação dos poderes temporais àqueles que presidem a Cristandade, que se
justificam à época devido à inquestionável supremacia intelectual do alto
clero.
Em 1054, havia ocorrido o Cisma
entre a Cristandade latina e a Cristandade grega. Uma divisão quase formal
entre os ritos praticados no Ocidente e aqueles praticados nos limites do
Império Bizantino. O pedido de auxílio de Bizâncio contra os turcos invasores
seria, mais tarde, uma oportunidade de impor a supremacia ocidental ao
imperador bizantino e ao patriarca de Constantinopla. O imperador bizantino
praticava em seus territórios o césar-papismo, ou seja, a subordinação à sua
autoridade das prerrogativas dos patriarcas. Assim, o papa de Roma, ao
desempenhar o papel daquele que iria convocar, em 1095, a Cristandade latina
para socorrer a Cristandade grega, deflagrando o início das Cruzadas, estaria arrogando-se
como senhor de toda a Cristandade e inclusive do Império Bizantino.
A Expansão da Cristandade
Esse é o contexto em que se
desenvolve o processo de surgimento das Cruzadas. Um dos tantos motivos desse
movimento tem a ver com uma necessidade imensa de expansão das fronteiras da
Cristandade, movimento que se faria em várias frentes. Ao norte a expansão
teria o carácter de um movimento de colonização e cristianização das regiões
correspondentes à Polónia, Hungria e às regiões eslavas, chamado de Drang Nach Osten, que se
inicia no século X, entre 966 e o ano 1000. Com a cruz levava-se o arado, e
esses férteis territórios ampliariam as possibilidades de alimentar uma
população em crescimento. Os reinos
do Báltico seriam igualmente cristianizados através de acordos, ampliando o
campo de hegemonia pontifícia. É interessante observarmos que os normandos, povos invasores
da Europa Ocidental, vindos do norte, no século X, participam como
colaboradores activos desse processo. Eles se estabelecem na região da
Normandia em 911 de onde se expandem em duas frentes, uma para a Inglaterra e
outra para o sul da Itália. Em 1066, o duque da Normandia, Guilherme, o
Conquistador, ao derrotar os saxões na Batalha de Hastings, funda o reino da
Inglaterra. Enquanto isso, partindo da mesma Normandia, os Hauteville, outra dinastia normanda, em 1038,
estabelecem-se no sul da Itália, região dominada em parte pelos bizantinos e em
parte pelos muçulmanos. A presença normanda na Itália incomoda igualmente o
papa Leão IX, que conclama o imperador bizantino para ajudá-lo a combatê-los». In Fátima
Regina Fernandes, Cruzadas na Idade Média, 2006, Histórias das Guerras, Editora
Contexto, 2006, ISBN 857-244-317-7.
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