«(…) Mesmo os criminosos, senhor dom João!?, admirou-se o rei. Quando o arrependimento é sincero. Ora, ora, um criminoso é sempre um criminoso, com bom senso sempre haveremos de alcançar algum equilíbrio, senhor dom Afonso. Muito bem, e que mais? Deixei para o fim a bula papal, Omne datum oPtimum, que aprova a ordem dos Pobres cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, fundada em 1118 por alguns dos mais proeminentes monges de Cister, e que, em toda a cristandade, já é conhecida por Ordem dos Cavaleiros Templários. E essa Ordem, como mui bem sabeis, senhor dom João Peculiar, já está a ser formada em Portugal, atalhou o cavaleiro Gualdim Pais, que, como os demais, em silêncio, se mantinha atento a tudo o que se dizia. Pois era minha intenção convidar os cavaleiros presentes, a começar por Sua Alteza Real, a aderirem a essa irmandade quanto antes. Até porque, para além da defesa do Santo Sepulcro, também a guerra contra os infiéis, na Hispânia, passa a estar equiparada, para todos os efeitos, a uma cruzada.
Sendo assim, não vejo como não nos
poderemos associar nessa santa iniciativa, interveio, de novo, Gualdim Pais,
para logo se dirigir ao rei. Se Vossa Majestade não vir inconveniente. Assim de
repente e a frio, a ideia parece-me boa. Alguns monges-cavaleiros pediram-me,
há algum tempo, o castelo de Soure para aí se instalarem. Pretextavam que minha
mãe já lho teria prometido antes. Terei de ver a bula primeiro e discutir a
questão com o senhor arcebispo João Peculiar. Pois estas foram as principais
decisões religiosas que trago de Latrão. Quanto à questão principal que me fez
voltar à Santa Sé, que é o reconhecimento de Vossa Alteza como rei, tudo estava
bem encaminhado. Infelizmente, quando cheguei ao Vaticano, depois de terdes
assinado o Tratado de Zamora, o papa Inocêncio II tinha acabado de falecer. Mas
que infortúnio, senhor dom João!, exclamou, claramente desapontado, o rei.
Ainda por cima, o bispo dom Pedro
Helías, de Santiago de Compostela, continua a sua campanha contra nós. Por isso
lá fiquei durante todo este tempo, procurando, junto da nova cúria, os apoios necessários.
Porém, o pontificado do papa Lúcio II nem durou um ano, o pobre de Deus logo se
finou, com uma pedrada, quando combatia o patrício Giordano Pierleone, irmão do
antipapa Anacleto II, já em Fevereiro deste ano. E agora, senhor dom João, que
papa temos em Roma e que esperanças nos trazeis?, interrogou o rei,
profundamente agastado com tantas contrariedades. Pois agora temos o papa
Eugénio III, um antigo monge de Cister. Dessa Ordem fundadora dos Templários, a
quem autorizámos o Convento de São João de Tarouca!? Parece-me bom augúrio esse
tal papa Eugénio III. E vós o que achais, senhor dom João?» In
António Costa Neves, O Sem Pavor, Saída de Emergência, 2022, ISBN
978-989-773-439-7.
Cortesia de SdeEmergência/JDACT
JDACT, António Costa Neves, Literatura, História, Geraldo Sem Pavor,