«As Cruzadas foram um movimento gerado no Ocidente que resultou num longo enfrentamento militar desenrolado nos limites da Cristandade, especialmente nas regiões da Síria e Palestina, entre os séculos XI e XIII, e na Península Ibérica, entre os séculos VIII e XV. As guerras ocorridas nas regiões da actual Palestina e Israel foram chamadas de Cruzadas do Oriente e justificavam-se pela necessidade de os cristãos reconquistarem a Terra Santa. Os conflitos na Península Ibérica, onde os territórios anteriormente em posse dos cristãos e conquistados pelos muçulmanos, resultaram no que ficou conhecido como Reconquista cristã. Quais as razões que moveram milhares de pessoas de várias escalões sociais até essas regiões distantes? O que de facto buscavam? Em busca de respostas, vamos observar as Cruzadas dentro do seu contexto original. Trataremos também de seu legado para as regiões em que se desenrolaram os conflitos e para o Ocidente como um todo, ou seja, verificaremos como as Cruzadas mudaram a História.
Contexto
gerador
O Mediterrâneo foi o berço da
civilização clássica e, durante a Idade Média, palco de constantes influências
culturais, germânicas, nórdicas, judaicas, bizantinas e árabes que gerariam
novas realidades institucionais. A sociedade que se desenvolveu na região era,
portanto, fruto de uma encruzilhada de influências culturais e religiosas que,
apesar dos conflitos e desencontros que obviamente também existiam, acabaram
por gerar expectativas e iniciativas comuns, que se reflectiram com densidade
nas Cruzadas. A pacificação das migrações germânicas no século VI sucede a
chegada de nórdicos, húngaros e sarracenos nos séculos IX e X, o que constitui
outra fonte de agitação. Segue-se um contexto de pacificação relativa e
expansão demográfica, económica e social potencializada por uma estabilidade
climática que proporciona estações do ano melhor definidas e consequente
aumento da produtividade das colheitas. Processo que se generaliza pelo
Ocidente europeu promovendo um aumento demográfico, mais braços para o cultivo
e mais homens para alimentar e disponíveis para lutar.
Nesse século XI, vigoram, ainda,
esquemas teóricos explicativos da ordenação da sociedade como o esquema tri-funcional,
no qual o clero, a nobreza e o povo dividiam funções sociais complementares: o
clero rezaria, o povo trabalharia e os nobres lutariam por todos. Nesse
esquema, o que justificava a nobreza era sua função militar e defensiva, a qual
só poderia ser colocada em prática num contexto de guerra. Ora, vivia-se um
período de relativa estabilidade após o estabelecimento dos povos da última
vaga de invasões, e essa ociosidade dos nobres era prejudicial aos poderes
políticos que os sustentavam, as monarquias nascentes: os nobres cobravam dos
reis acções militares que justificassem contínuas doações de bens e cargos, causavam
agitação interna e criavam uma pressão insustentável dentro dos limites da
Cristandade.
É dessa época também a
cristalização da ideia de Cristandade, um espaço amplo que envolvia as margens
do Mediterrâneo e incluía povos de várias etnias, dialectos, ritos e traços
culturais distintos. No mundo clássico, o critério que unificava os povos
submetidos ao Império Romano era ser cidadão; depois do século IV, esse
critério foi substituído pelo ser cristão. Esse continha um princípio de
unidade mais amplo, pois ultrapassava os limites étnicos; qualquer pessoa,
desde que baptizada e convertida, era incluída nessa mesma categoria. A Cristandade
seria, portanto, o espaço onde viviam os cristãos. Essa é, em princípio, apenas
uma ideia aceita e reproduzida nos esquemas teóricos dos pensadores medievais,
mas que vai fortalecer-se a partir do século XI, devido às acções dos
pontífices que vão afirmar-se perante os poderes temporais já constituídos,
imperadores e reis». In Fátima Regina Fernandes, Cruzadas na
Idade Média, 2006, Histórias das Guerras, Editora Contexto, 2006, ISBN
857-244-317-7.
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