Paço de Lisboa, Portugal, dois anos mais tarde
«(…) Afonso Sanches, acusado de traição,
viu o desterro ser tornado eterno e todos os seus bens confiscados em Portugal.
O meio-irmão protestou quanto pôde, alegando inocência. Mas a obstinaçào era uma
das marcas do carácter do rei, que não se deixava vergar por apelos quando o ódio
era cego. E fez-se mouco aos pedidos. O bastardo juntou gente e armas em Castela,
sobretudo em Badajoz, e invadiu terras portuguesas junto à fronteira, não se ficando
pelo Sul e cercanias de Albuquerque. Espalhou-se a violência até Bragança, com saque
de lugares e tomada de cativos. Mas Afonso IV jamais se encolhia quando era
preciso ir à guerra e pôs-se à frente dos seus homens por Castela adentro, montando
um furioso cerco ao meio-irmão em Albuquerque e destruindo quanto podia por Badajoz.
A contenda ameaçava tornar-se uma
guerra entre Portugal e Castela. Da clausura religiosa em Coimbra, a rainha-mãe,
dona Isabel, não se furtava a enviar apelos ao filho para que terminasse com a selvajaria.
O povo, sempre sábio, havia muito que dizia que aquela mulher era santa. Pois se
até os bastardos do marido acolhera no paço em vida do marido Dinis, para que se
criassem como príncipes os inocentes... A paz foi suada e só chegou pela muita paciência
de numerosos intermediários. Restituíram-se os bens ao bastardo mas não haveria
mais desavenças para contar porque Afonso Sanches não sobreviveu às febres que o
tomaram. A verdadeira harmonia foi póstuma, como tantas vezes acontecia. Depois
de morto, sem riscos para o meio-irmão rei, veio para o descanso eterno em Portugal,
onde recebeu sepultura (com Teresa Martins, sua esposa, na capela do Convento
de Santa Clara, em Vila do Conde).
A um outro bastardo que dom Dinis
fizera grande, João Afonso, não sobrou tempo para trazer incómodo digno desse nome
ao monarca. Afonso IV condenou-o por traição, enviando-o para o cadafalso. Mas nem
com todos os descendentes ilegítimos do rei Dinis Afonso brigou. Pedro Afonso, conde
de Barcelos, o fidalgo mais erudito do reino, que herdara a veia de trovador do
pai-monarca, apoiara por várias vezes o herdeiro contra o rei e conservava a vida
e o prestígio, mesmo com ocasionais desavenças. Talvez pelos agravos sofridos por
homens saídos do ventre de mulheres que não eram a rainha de Portugal, sua mãe,
a virtuosa Isabel de Aragão, Afonso IV parecia manter-se fiel à cama da esposa,
sem bastardos nem mancebias. O rei olhou a mulher, depois de pensar melhor na sugestão
que Beatriz lançara de tentar resolver, através das palavras, os maus tratos de
Afonso XI à sua filha. Mais guerra era tudo o que não queria naquele momento.
Por isso, disse: Escrevei-lhe, concedo. Eu não lhe dirigirei palavra e não voltarei
a chamá-lo genro. Mas isso não é tudo o que posso fazer. Como podeis intervir, meu
pai?, questionou o infante D. Pedro, sinceramente incomodado pela humilhação da
irmã. Oficialmente? Enviarei conselheiros. Esta não é apenas uma questão de alcova.
Trata-se da honra de uma princesa portuguesa. Desejo acompanhar essa embaixada -
ripostou o príncipe. Tu, Pedro?, surpreendeu-se Afonso. Ainda é cedo para ti, meu
fiiho. Já lhe haviam despontado os primeiros pêlos da barba, mas ainda não o
encontrava pronto para a diplomacia. Nem para ameaças, que precisavam de sangue-frio.
O pai observou-o, ocultando mal o desencanto com o varão que lhe calhara no destino.
Pedro tinha 12 anos feitos, aprendera o latim, as regras da guerra e da caça,
era mais perfeito no manejo das armas do que no verbo, com a embaraços a gaguez
a atrapalhar o discurso quando se deixava tomar pelos ímpetos! O que não era
coisa rara de se ver. Não lhe faltavam ideias. Reunia tantos seguidores como descrentes».
In
Isabel Machado, Constança, A Princesa traída por Pedro e Inês, 2015, A Esfera
dos Livros, 2015, ISBN 978-989-626-718-6-
Cortesia de EdLivros/JDACT
JDACT, Isabel Machado, Constança, História, Literatura,