quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Constança. Isabel Machado. «Oficialmente? Enviarei conselheiros. Esta não é apenas uma questão de alcova. Trata-se da honra de uma princesa portuguesa»

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Paço de Lisboa, Portugal, dois anos mais tarde

«(…) Afonso Sanches, acusado de traição, viu o desterro ser tornado eterno e todos os seus bens confiscados em Portugal. O meio-irmão protestou quanto pôde, alegando inocência. Mas a obstinaçào era uma das marcas do carácter do rei, que não se deixava vergar por apelos quando o ódio era cego. E fez-se mouco aos pedidos. O bastardo juntou gente e armas em Castela, sobretudo em Badajoz, e invadiu terras portuguesas junto à fronteira, não se ficando pelo Sul e cercanias de Albuquerque. Espalhou-se a violência até Bragança, com saque de lugares e tomada de cativos. Mas Afonso IV jamais se encolhia quando era preciso ir à guerra e pôs-se à frente dos seus homens por Castela adentro, montando um furioso cerco ao meio-irmão em Albuquerque e destruindo quanto podia por Badajoz.

A contenda ameaçava tornar-se uma guerra entre Portugal e Castela. Da clausura religiosa em Coimbra, a rainha-mãe, dona Isabel, não se furtava a enviar apelos ao filho para que terminasse com a selvajaria. O povo, sempre sábio, havia muito que dizia que aquela mulher era santa. Pois se até os bastardos do marido acolhera no paço em vida do marido Dinis, para que se criassem como príncipes os inocentes... A paz foi suada e só chegou pela muita paciência de numerosos intermediários. Restituíram-se os bens ao bastardo mas não haveria mais desavenças para contar porque Afonso Sanches não sobreviveu às febres que o tomaram. A verdadeira harmonia foi póstuma, como tantas vezes acontecia. Depois de morto, sem riscos para o meio-irmão rei, veio para o descanso eterno em Portugal, onde recebeu sepultura (com Teresa Martins, sua esposa, na capela do Convento de Santa Clara, em Vila do Conde).

A um outro bastardo que dom Dinis fizera grande, João Afonso, não sobrou tempo para trazer incómodo digno desse nome ao monarca. Afonso IV condenou-o por traição, enviando-o para o cadafalso. Mas nem com todos os descendentes ilegítimos do rei Dinis Afonso brigou. Pedro Afonso, conde de Barcelos, o fidalgo mais erudito do reino, que herdara a veia de trovador do pai-monarca, apoiara por várias vezes o herdeiro contra o rei e conservava a vida e o prestígio, mesmo com ocasionais desavenças. Talvez pelos agravos sofridos por homens saídos do ventre de mulheres que não eram a rainha de Portugal, sua mãe, a virtuosa Isabel de Aragão, Afonso IV parecia manter-se fiel à cama da esposa, sem bastardos nem mancebias. O rei olhou a mulher, depois de pensar melhor na sugestão que Beatriz lançara de tentar resolver, através das palavras, os maus tratos de Afonso XI à sua filha. Mais guerra era tudo o que não queria naquele momento. Por isso, disse: Escrevei-lhe, concedo. Eu não lhe dirigirei palavra e não voltarei a chamá-lo genro. Mas isso não é tudo o que posso fazer. Como podeis intervir, meu pai?, questionou o infante D. Pedro, sinceramente incomodado pela humilhação da irmã. Oficialmente? Enviarei conselheiros. Esta não é apenas uma questão de alcova. Trata-se da honra de uma princesa portuguesa. Desejo acompanhar essa embaixada - ripostou o príncipe. Tu, Pedro?, surpreendeu-se Afonso. Ainda é cedo para ti, meu fiiho. Já lhe haviam despontado os primeiros pêlos da barba, mas ainda não o encontrava pronto para a diplomacia. Nem para ameaças, que precisavam de sangue-frio. O pai observou-o, ocultando mal o desencanto com o varão que lhe calhara no destino. Pedro tinha 12 anos feitos, aprendera o latim, as regras da guerra e da caça, era mais perfeito no manejo das armas do que no verbo, com a embaraços a gaguez a atrapalhar o discurso quando se deixava tomar pelos ímpetos! O que não era coisa rara de se ver. Não lhe faltavam ideias. Reunia tantos seguidores como descrentes». In Isabel Machado, Constança, A Princesa traída por Pedro e Inês, 2015, A Esfera dos Livros, 2015, ISBN 978-989-626-718-6-

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