quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Amílcar Guerra. Plínio, O Velho, e a Lusitânia. Arqueologia e História Antiga: «Ora a passagem de Plínio pela Península permitiu-lhe, para além da obtenção de notícias transmitidas oralmente, um conhecimento da produção escrita, tanto de natureza mais propriamente literária, como técnica»

Cortesia de wikipedia

«A popularidade que a obra atingiu tem, pois, plena justificação na forma como Plínio. soube dar resposta às exigências do seu tempo em matéria de gosto, satisfazendo a curiosidade de um público sem pretensões de um rigor científico.

Valor da Obra e fiabilidade da Informação
Na pareciação global da qualidade desta obra enciclopédica, as opiniões actuais nem sempre são favoráveis. A primeira falha que geralmente lhe é apontada tem que ver com a ausência de um método científico na sua investigação, neste aspecto contrastante com alguns percursores da antiguidade. No domínio das ciências naturais sobreleva-se, com frequência, a diferença entre o racionalismo aristotélico e a postura pliniana, mais atraída pelas curiosidades que pela preocupação com uma observação rigorosa e o estabelecimento de uma taxonomia metodologicamente correcta.

O valor do contributo pliniano contudo, pode (e deve) ser apreciado sob uma perspectiva diferente, mais consentânea com os ideais do seu tempo. Trata-se, em primeiro lugar, como refere o próprio Plínio, de um notável repositório de conhecimentos, onde o factos notáveis, as curiosidades, os “mirabilia” ocupam um lugar de destaque e se sobrepõem a uma exposição racionalizada do mundo. E como o seu sobrinho acentua, o conjunto resulta de um excepcional labor de leitura e de um notável esforço e persistente trabalho de recolecção de dados, com as mais diversas proveniências.

Cortesia de wikipedia

Coloca-se deste modo um leque de questões que interessa particularmente o nosso trabalho:
  • em primeiro lugar saber qual a dimensão das verdadeiras leituras de Plínio. Até que ponto ele conhecia por via directa um vasto repositório de fontes citadas tanto no prefácio da sua obra, como ao longo do próprio texto;
  • em segundo lugar avaliar em que medida o seu conhecimento directo das realidades se poderá reflectir nela.
Alguns autores defenderam, no que especialmente toca à geografia, que Plínio recorreu a uma única obra, sendo hipótese habitualmente sustentada o ele dever o essencial dos seus dados a Varrão. Insinua-se, com frequência que poderá ter recorrido ao subterfúgio de citar muitos autores que realmente conhecia apenas de segunda mão e de os incluir dentro das suas fontes para demonstrar uma erudição que realmente não possuía.

Estas convicções representam o contraponto de uma perspectiva que as informações antigas, especialmente de Plínio-o-Moço, deixariam entrever, segundo a qual a NH é uma colagem de um imenso conjunto de informações pesquisada num diversificadíssimo número de autores que nem sequer são exaustivamente citados, limitando-se o autor a incluí-los entre os “alii” que não nomeia explicitamente. Esse, de resto, seria o sentido das suas próprias afirmações no prefácio, a que Ferraro deu uma significativa interpretação.

Cortesia de ecolibri

O que parece evidente é, em primeiro lugar, a discrepância entre as listas de autores apresentadas no início da sua obra e a verdadeira origem dos autores de que provêm as informações, essencialmente pela utilização, para esse efeito, das listas de autores estrangeiros correspondentes, que Varrão tinha já utilizado. Não podemos, por este motivo, remeter para os índices dos autores para corroborar ou negar este tipo de afirmações.
Contudo, a falta de veracidade a respeito das suas fontes não pode ser tomada como um sintoma de uma dependência não assumida de uma obra ou de um autor em especial. E, da mesma maneira, o facto de não se citar uma fonte determinada não pode significar um desconhecimento da mesma. Pode, para este caso concreto, tomar-se o exemplo da descrição geográfica do território peninsular.

Os passos da geografia pliniana que aqui se apresentarão parecem revelar em primeiro lugar uma diversidade de fontes, sem contudo se apresentar como significativa. Para além de Varrão, comparece unicamente entre os autores citados no próprio texto o nome de Agripa. No entanto, toma-se evidente, por um conjunto de informações respeitantes a realidades mais recentes, que Plínio mantinha uma relativa actualização dos dados para determinadas regiões. É sabido que contamos, neste caso particular, com o facto de estar assente que Plínio exerceu na Tarraconense uma procuratela que lhe terá permitido contactar mais de perto com esta realidade. Esses conhecimentos poderão decorrer das suas próprias funções administrativas ou, mais simplesmente constituírem informações que o seu conhecimento dos círculos peninsulares poderiam proporcionar. Ora a passagem de Plínio pela Península permitiu-lhe, para além da obtenção de notícias transmitidas oralmente, um conhecimento da produção escrita, tanto de natureza mais propriamente literária, como técnica». In Amílcar Guerra. Plínio, O Velho, e a Lusitânia, Arqueologia e História Antiga, Edições Colibri, 1995, ISBN 972-8047-97-5.

Cortesia de Edições Colibri/JDACT