Cortesia de wikipedia
NOTA: Texto na versão original
«Chegandose a estes muita companhia de caualleiros, começarão a pelejar contra os infieis, deixando outros em guarda dos caminhos. Pola qual razão muitos Principes Christãos para ajudarem o proposito santo destes caualleiros, lhes assinarão em seus reinos rendas & terras, de que se pudessem sostentar. E o Papa Honorio II aa instancia de Stephano, Patriarcha de Ierusalem, por elles terem feito voto de castidade, & viuerem em irmandade & congregação, lhes deu regra &á. Ordem de vida, ordenada per Sam Bernardo, com habito branco, a que Eugenio III acrescentou hüa Cruz Vermelha, que trouxessem nos peitos. Estes caualleiros crescerão em tanto numero, & fizerão tanto seruiço a Deos, & aa Republica naquellas partes, que todos os Principes Christãos lhes derão em suas terras muitas villas, & castellos, & grandes rendas, per que se estenderão não soomente pelo Oriente, mas pelo Occidente, criando seus Mestres pelas Prouincias, & instituindo commendas, cujo gtam Mestre residia na santa cidade de Ierusalem. Neste estado, crescendo em potencia & rendas, florecerão CC annos, atee o anno de MCCCX em que o Papa Clemente V no concilio de Vienna de França os condenou, & extinguio sua ordem polas causas, & maneira que dizemos na chronica d'el Rei Dom Dinis.
Per este mesmo tempo, & quasi pelos mesmos meos, teue principio a ordem do hospital de Sam Ioam de Ierusalem, cujo principio foi este. Em tempo antigo, antes da sancta cidade de Ierusalem se tomar pelos Christãos, impetrarão alguns peregrinos, da igreja Latina, do Soldão do Egypto, por tributo que lhe derao, que podessem edificar hum moesteiro. O qual fizerão junto da igreja do santo-sepulchro, & the chamarão Santa Maria a Latina: & nelle instituirão hü Abbade com alguns monges. E este Abbade, & monges, da hi a pouco tempo, edificarão hüa cappella & hospital para cura,,& recolhimento dos peregrinos, da inuocação de Sam Ioam Baptista: o qual mantinhão de sobejo de seu moesteiro. Vindo despois a cidade aas mãos de Christãos, hum religïoso de nação Frances, per nome Gueraldo, que muito tempo hauia ministraua naquelle hospital, determinou de fazer húa noua ordem de homees, que fizessem aquelle officio, & mouendo a isso alguns homeês pios, tomou habito regular, & com seus companheiros curaua aos pobres & enfermos, & aos que morrião enterrauão no campo, que chamauão Acheldemach. A obediencia derão ao Patriarcha, & ao Abbade, & lhes dauão os dizimos do que acquirião.
Fotografia de José Filipe
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E exercitando este officio com muita charidade & deuação, sabendose pelos Principes Christãos, lhes fizerão muitas doações, & lhes appropriarão rendas, & assinarão villas & castellos, para que mais abastadamente, & a mais numero de gente podessem proueer, & sostentarse a si. Polo que crescendo o numero destes religiosos, o Papa Honorio II lhes ordenou regra de viuer, & lha confirmou debaxo da ordem de sancto Agostinho, dandolhes habito negro, & Cruz branca, com voto de castidade, pobreza, & obediencia, & de pelejarem contra infieis por a religião Christaã. Polo que ficando o carrego do recolhimento, cura, & enterramento dos peregrinos aos que erão clerigos de ordens, os leigos se occupauão na milicia, & da hi em diante se chamou sua ordem do hospital de Sam Ioam de Ierusalem. O primeiro assento desta religião foi em Ierusalem. Despois de ganhada a cidade per Saladino, se passou aa cidade de Ptolemaida de Phenicia, a que vulgarmente chamão Acre, & outros Acon. E perdendose tambem esta cidade, se passarão os caualleiros aa ilha de Rhodes, que aos Turcos tomarão no anno de MCCCVIII.
E sendo lhes nestes tempos proximos a nós, tomada aquella Ilha pelos Turcos no anno de MDXXII pedirão a el Rei Dom Ioam III de Portugal lhes desse a cidade de Septa, para dalli pelejarem com os infieis, & guardarem o mar Mediterraneo dos Mouros & Turcos, que as praias de Hespanha, & de Leuante infestauão cada dia. O que lhe el Rei negou, não sabemos com quanta vtilitlade de Hespanha, & da Christandade. Polo que assentarão na ilha de Malta, a que os antigos chamauão Melite, junto a Sicilia, que lhe o Emperador Carlos V deu em feudo, com foro de hum falcão por anno. Na qual sendo os caualleiros acõmettidos dos Turcos, que a ella vierão muitas vezes com grandes armadas, se defenderão valerosamente, posto que com sangue, & morte de muitos; & na dita ilha florecem oje com grande honra de sua ordem». In Tesouros da Literatura e da História, Crónicas dos Reis de Portugal, reformadas por Duarte Nunes de Leão, Lello e Irmão, Editores, 1975, Porto.
Cortesia de Lelo e Irmão Editores/JDACT