Cortesia de reflexoesdonossodiaadia
Uma politica do Futuro
«A mais urgente exigência que se impõe às democracias contemporâneas não é acelerar os processos sociais: é recuperar o porvir. Precisamos de voltar a situar o futuro em posição privilegiada da agenda das sociedades democráticas. O futuro deve ganhar peso político. Sem essa referência futura não seriam possíveis muitas coisas especificamente humanas, como todas as que exigem previsão ou pressupõem a capacidade de antever cenários futuros; mas também não estaríamos, à altura da responsabilidade que nos cabe se não examinássemos com critérios de justiça o futuro que, segundo podemos presumir, se abre ou se fecha com as nossas decisões.
E para isso a primeira coisa a rever é a tradicional codificação do futuro como «tempo esquecido» efectuada pelas sociedades modernas. Devemos pôr termo a essa tendência para desligar o presente do futuro. A hipoteca sobre o futuro exige ser levada em conta: exige perspectiva histórica, interrogação sobre as relações temporais, nova legitimação, sentido da interdependência, apreço pela continuidade e emergência das coisas. Esta ampliação do nosso horizonte temporal envolve dois desafios fundamentais: a introdução de prazos mais, longos e a ponderação dos direitos das gerações futuras.
Cortesia de portaltech
Configurar uma espécie de responsabilidade pelo futuro é tarefa para a qual a política se revela fundamental. O problema resulta de o futuro ser politicamente fraco, pois não conta com advogados poderosos no presente e são as instituições que devem defendê-lo. As sociedades contemporâneas têm uma enorme capacidade de produzir futuros, isto é, de condicioná-los ou possibilitá-los. Em contraste, o conhecimento desses futuros é muito limitado. O alcance potencial das suas acções e os efeitos das suas decisões são dificilmente previsíveis. Como o futuro não pode ser conhecido, a responsabilidade costuma ficar fora de qualquer consideração. Mas esta dificuldade de conhecer a real repercussão das nossas acções no futuro não nos exime do esforço de as ponderar numa perspectiva temporal mais ampla.
Responsabilidade pelo futuro significa levar em linha de conta as consequências das próprias decisões ou omissões. Todos os ritmos que governam uma organização contêm antevisões do futuro. O processo da civilização conduz a um maior entrelaçamento do presente com o futuro. É necessário um certo esforço para pensar as acções no seu contexto de interacções e interdependências, incluindo a consideração dos seus efeitos, tanto dos mais imediatos como dos afastados no espaço e no tempo. Este tratamento contextual favoreceria uma melhor consideração do princípio de responsabilidade. Quando as decisões tomadas no âmbito da política têm implicações que cobrem grandes extensões de tempo, é adequado falar-se de «política da posteridade». A política não só projecta os interesses actuais no futuro como também deveria ter condições para articular as exigências que o futuro apresente ao presente, exigências que resultam de o futuro sofrer os efeitos das decisões e omissões do presente.
Cortesia de livrarialeitura
A actuação responsável acercado futuro poderia ser formulada dizendo que ela concede prioridade à hipoteca que o futuro tem sobre o presente em relação à hipoteca que o presente tem sobre o futuro.
Uma primeira exigência da responsabilidade em relação ao futuro consiste em ir mais além da lógica do curto prazo. Levar o futuro a sério exige, em primeiro lugar, que se introduza o longo prazo nas considerações estratégicas e nas decisões políticas. A complexidade das nossas sociedades obriga-nos, de facto, a estender os cenários futuros a que devemos atender para as nossas actuais decisões e planificações. É uma consequência do prolongamento das cadeias causais que nos vinculam espacial e temporalmente. Os processos de modernização são, entre outras coisas, processos de crescentes dependências recíprocas no espaço, o que no aspecto temporal do assunto faz aumentar as dimensões cronológicas do futuro a que já nos referimos explicitamente.
Vivemos numa sociedade tão dinâmica que, sem o esforço da imaginação, o futuro poderia escapar-nos na agitação das ocupações quotidianas. A elevada complexidade impele-nos para um presentismo sem perspectiva. O exercício rotineiro das instituições, dominado em grande medida pelos imperativos da economia mundial, e a sua transposição sem a mínima perspectiva de futuro impedem a correcção das anomalias não desejadas e o aproveitamento das oportunidades comuns. As inovações técnicas deram-nos até agora a possibilidade de ir vivendo com conceitos, valores e instituições que não estão à altura da nova intransparência, que não correspondem aos verdadeiros problemas. Secretamente, todos nós temos consciência de que os problemas actuais exigem perspectivas muito mais amplas». In Daniel Innerarity, O Futuro e os seus Inimigos, Teorema, 2011, ISBN 978-972-695-960-1.
Cortesia de Teorema/JDACT