Cortesia de purl
NOTA: Texto na versão original
«Era o Infante Dom Sancho de XXXII.annos ao tempo que seu pai el Rei D. Afonso Henriquez falleceo. E ao terceiro dia seguinte apos sua morte, foi leuantado em Coimbra por Rei. O que foi a IX de Dezembro do anno de MCLXXXV. E como naquelle tempo quasi todo Portugal staua cobrado dos Mouros, vendose o nouo Rei em paz, entendia no bom gouerno de seus reinos.
E assi para engrossar a terra, como para que os homees não se dessem a vícios, stando ociosos, & viuessem per seu trabalho, fez romper muitos matos, & laurar muitas terras, & cultiualas conforme aaquillo para que erão, dandoas & aforandoas, & fazendo muitos fauores aos que mais benfeitorias fizessem.
Polo que com razão lhe chamarão Laurador. E por que muitos lugares, dos que dos Mouros se ganharão, stauão desbaratados, & outros de todo per elles destroidos, & feitos ermos, reedificou os caídos, & os pouoou, & lhes deu nouos foraes, como forão villas de Valhelhas, Penamocor, Sortelha, Bragança, Sea, Gouuea, Penella, Figueiroo, Couilhãa, Folgosinho, a cidade da Guarda.
E de nouo fundou Monte mor o Nouo, & a villa de Valença, reedificou Torres Nouas, & ennobreceo a cidade de Viseu, & a villa de Pinhel. Polo que também lhe chamauão o Pouoador.Ampliou o Mestrado de Sanctiago, sendo entam instituído nouamente em Castella, & Mestre Dom Sancho Fernandez, Terceiro em ordem, & lhe deu as villas de Alcacere do Sal, Palmella, Almada, Arruda.
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E aa ordemda Freiria de Euora, que despois de se passar aa villa de Auis, se chamou daquelle nome, deu Valhelhas, Alcanhede, Alpedriz, Iurumenha, sendo Mestre Dom Gonçalo Viegas, filho de Dom Egas Moniz. E aa ordem do Templo deu a cidade da Idanha.
Nestas obras se occupaua el Rei Dom Sancho no tempo, que não tinha guerras com Mouros. E sendo no anno de MCLXXXVII, tomada a sancta cidade de Ierusalem pelo Soldão Saladino, com grande estrago de gente Christãa, o Papa Vrbano III que entam presidia na igreja de Deos, entre os mais Reis Christãos, lhe mandou requerer, que aquelle feruor, com que seu pai & elle perseguirão os sequazes da lei de Mafamede, o quisesse agora mostrar na conquista da sancta cidade, que com tanto opprobrio dos Principes Christãos, lhe tirarão das mãos, por a discórdia delles. E que agora em concordia se auia de armar com os mais, para vingar tamanha offensa de Deos, e da religião Christãa. Esta empresa acceptara el Rei, & a acommettera, sem ser requerido, por seu esforço & religião, se os pouos lho não contradisserão. Porque lhe puserão diante o grande perigo, em que se punhão as cousas de Hespanha, hauendo ainda nella tantos Mouros, & nas partes vezinhas de Africa, donde saião cada dia com grandes exércitos, & vinhão contra os Christãos. E que se ajudasse a cerrar hua porta aas guerras de Asia, abria muitas aas de Europa, em grande dano da Christandade.
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Polo que el Rei se mandou escusar ao Papa per taes & tam justas razões, que do sancto padre, & do Collegio dos Cardeaes forão mui acceptadas, & louuadas, & o conselho que el Rei nisso tomara. E sendo el Rei mui triste, por se não poder achar com outros Principes em tam sancta obra, & honrosa conquista, satisfez em parte a falta de não ir em pessoa, com mandar grandes ajudas de dinheiro a Ierusalem, para aquella guerra. E para o soccorro ser mais perpetuo, deu muitas viÌlas & terras aas nouas ordees do Templo, & do hospital de Sam Ioam, cujas rendas se arrecadauão pelos Mestres & Priores, que daquellas ordees pelo reino erao deputados. E quanto maior foi o impedimento, que seus vassallos lhe poserão a ir aa guerra de vltra mar, tanto maior foi o desejo, que lhe cresceo, de fazer guerra aos Mouros, por não parecer, que buscaua ócio em tempo que tantos Principes pelejauão fora de suas terras, por exalçamento da fee de Christo. Polo que logo leuantou as tregoas, que com os Mouros tinha assentadas, & correo, & destroio muitas terras da fronteira da Andaluzia.
Naquelle tempo correndo o anno de MCLXXXVIII entre muitas gentes, que de toda a Christandade ião aa conquista da terra sancta, forão certos senhores principaes de Dinamarca, Phrisia, Hollanda, & Flandres em hua frotta de cinquoenta & três naos. E segundo Nicolao Gilé noa annaes de França, era de oitenta & sete. Cinquoenta de Dinamarca, Phrisia, & Hollanda, & XXXVII de Flandres. Aos quaes no mar de Hespanha succedeo hua tam grande tormenta, que os deitou no porto de Lisboa.
El Rei Dom Sancho, que entam staua em Sanctarem, sabendo da vinda de aquellas gentes, & de sua tenção, veo a Lisboa, & os mandou agasalhar & honrar, & proueelos de mantimentos & refrescos necessários (101)». In Tesouros da Literatura e da História, Crónicas dos Reis de Portugal, reformadas por Duarte Nunes de Leão, Lello e Irmão, Editores, 1975, Porto.
Cortesia de Lelo e Irmão Editores/JDACT