Cortesia de publicaçõesdomquixote
Introdução
«Se as palavras são perigosas, as que a história medieval utiliza são-no mais que quaisquer outras. O estudante, ou mais simplesmente o leitor interessado, vê-se frequentemente desorientado pela terminologia que encontra em obras sobre as sociedades da Idade Média. A situação do próprio especialista não é muito mais favorável. Se procura analisar as realidades de muito perto, terá de recorrer a uma linguagem técnica e hoje em desuso, recuperando os termos que os escribas medievais utilizavam, e correndo assim o risco de apenas ser compreendido pelos seus confrades; ou então, se pretende atingir um público vasto, aplicará, os nossos actuais conceitos às realidades medievais, abrindo assim as portas ao anacronismo. A estas primeiras dificuldades vêm acrescentar-se outras ainda mais graves. A mais específica é a que se relaciona com a fluidez do vocabulário medieval, ele próprio um reflexo das evoluções ou revoluções que as sociedades da época sofreram. A Idade Média durou cerca de mil anos; e num milénio não foram só as palavras que mudaram, mas também as realidades (instituições, hábitos, sentimentos, instrumentos ...) que elas iam traduzindo. A “piedade” do século XV já não é a do tempo de S. Remígio; e quem reconheceria no “feudo” dos fins da Idade Média o “fevum” das proximidades do ano 1000? Finalmente, e é aqui que tocamos no aspecto mais profundo da confusão reinante, os próprios medievalistas estão longe da unanimidade quanto ao conteúdo dos conceitos que utilizam: entre a “feudalidade” de uns e o “feudalismo” de outros há um autêntico abismo. Estas divergências são afinal (e porquê ignorá-lo?) a consequência de desacordos ideológicos. Até em história medieval as palavras não são inocentes.
O escriba
Cortesia de wikipedia
Nestas condições, escolher cinquenta palavras que possam servir de chaves para o entendimento de um milénio de história é um problema que entra já no domínio do aleatório. Os critérios de selecção são múltiplos; e os que aqui foram adoptados não têm pretensões a uma sacrossanta objectividade. Vejamos a letra f: entre fome e fé, qual será apalavra-chave? E, na letra r, rapina ou realeza?
Nestes dois casos, como em muitos outros, a opção situa-se, para o autor de um trabalho deste género, entre a provocação e o conformismo. Em certas situações é a primeira que se impõe; ela é necessária sempre que se trata de fazer admitir ideias novas, noutras ocasiões, quando o terreno é bem conhecido e há muito desbravado, não se evitou o conformismo, por opção deliberada. Qual a vantagem, pelo simples gosto da originalidade, de colocar armadilhas no caminho do estudante inexperiente ou do leitor amador?
Resta definir o campo da História que se pretende abranger com os cinquenta artigos.
“Campo geográfico”. É prioritariamente o da Europa Ocidental, sem dúvida o mais familiar à maior parte dos leitores. No entanto, para esclarecer esta ou aquela palavra-chave, “heresia, imagens”, por exemplo, propõem-se incursões em território bizantino ou ainda nos domínios eslavo e escandinavo. Por outro lado, o vocabulário da história muçulmana foi ignorado, em parte devido à sua especificidade, mas também por ser susceptível de constituir o objecto de uma obra particular dentro da mesma colecção.
A indústria
Cortesia de wikipedia
“Campo cronológico”. Os artigos procuram apresentar a evolução dos conceitos seleccionados durante toda a extensão do milénio medieval. Nesta perspectiva, as definições estáticas foram afastadas tanto quanto possível; pelo contrário, deu-se a maior importância às modificações ocorridas na história das sociedades.
NOTA: «As definições não têm valor para a ciência, porque são sempre insuficientes. A única verdadeira definição é o desenvolvimento da própria realidade, mas esse desenvolvimento já não é uma definição. Para compreender e mostrar o que é a vida, somos forçados a estudar todas as suas formas e a representá-las no seu encadeamento». F. Engels, “Anti-Duhring”.
O que interessa, acima de tudo, é que o leitor se aperceba de que a Idade Média não é uniforme, compreendendo pelo menos duas grandes fases verdadeiramente distintas: uma que prolonga sob muitos aspectos a Antiguidade e que podemos considerar concluída (um pouco arbitrariamente) no século X; outra que se inicia depois do ano 1000 e durante a qual se constituem as estruturas da Europa moderna. Entre as duas, o grande corte do século XI, isto é, retomando uma expressão de Georges Duby, a Revolução Feudal». In Pierre Bonnassie, Dicionário de História Medieval, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1985, Tradução de João Fagundes.
Cortesia de P. D. Quixote/JDACT