(1848-1917)
Castelo de Vide
jdact
A Vila Antiga
«Foi vária a influência destes povos na península; sobreleva, porém, a todas a dos romanos pelo génio colonizador deste povo, que quase se identificara com os celtiberos, impondo-lhes a adopção dos seus costumes, deuses, língua e legislação. A ocupação romana, que durou duzentos anos, baniu do território peninsular todos os elementos dominadores, que precederam os seus. Para dizer tudo, as províncias hispânicas bem podiam considerar-se, por fim, províncias italianas. Tanto elas reflectiam a vida social da metrópole, a culta Roma. Entre essas províncias, em que os romanos dividiram a península, conta-se a Lusitânia, cujos contornos topográficos não correspondem exactamente aos que na idade média circunscreveram o reino de Portugal, nem os respectivos habitantes desta moderna nacionalidade podem com exacção histórica considerar-se os representantes dos antigos lusitanos. A ideia contrária, posto que errónea, nasceu e vingou com a erudição clássica da Renascenç4, em fins do século XV, lisonjeando a vaidade nacional, que, por este modo, viu entroncada a ascendência portuguesa na primitiva raça céltica.
O certo é, porém, que os valentes guerreiros do Hermínio (Serra da Estrela), que tanto deram que fazer aos generais romanos, estanciaram em vários outros pontos do actual território português, do que ficaram vestígios incontestáveis. Um deles, foi, sem dúvida, a povoação, que se chamou Medóbriga, engrandecida pelos romanos, que denominaram a cidade de Aramenha. Como ainda hoje os seus vestígios testemunham, existia ela ao sopé da serra de Marvão (Hermínio menor) no sítio conhecido na actualidade pela freguesia do Salvador, termo daquela antiga vila.
Cortesia de wikiworldflicks
Entretanto outros acontecimentos importantes se manifestaram na Espanha, alterando a sociedade céltico-romana. Nova camada de população estranha veio sobrepor-se à já existente, confundindo-se, mais ou menos, com ela através dos tempos, vencido o primitivo antagonismo que separava os vencidos dos vencedores. Refiro-me à invasão dos bárbaros do Norte. Esta realizou-se nos primeiros anos do século V, operando uma revolução imensa na sociedade antiga, representada pelo império romano. Este colosso, aluído nos seus fundamentos pela vaga impetuosa, constituída pelos vândalos, suevos e alanos, que do norte se despenhou contra ele, vacilou e caiu, arrastando na queda todo o passado glorioso da sua civilização assombrosa. Dos seus escombros, revolvidos pelas mãos dos bárbaros, surgiram as sociedades modernas. O abalo foi tremendo, e a Espanha não pôde evitá-lo. Galgando os Pirinéus, a onda dos visigodos espraiou-se na península, onde, durante três séculos, firmou a sua influência dominadora. Por fim, vencida a separação das duas raças pelo consórcio e unificação do direito gótico e romano, nos meados do século VII, vieram elas com a acção do tempo a constituir uma nação única no território peninsular.
Os visigodos abraçaram o cristianismo, e, pela liberdade individual, que era uma característica profunda da sua raça, deram origem ao sistema feudal, depois de terminada a sua vida errante como primitivamente fora a dos celtas, e fixaram-se no solo, entrando por esta forma na vida civilizada. Vencedores, receberam a influência dos vencidos, que escaparam à acção destruidora da sua espada implacável.
Cortesia de fontedavila
Mas outra, não menos terrível, veio, volvidos os três séculos do domínio godo, perturbar a sociedade peninsular, restabelecida dos ímpetos assoladores de Ataulfo, chefe dos visigodos. Agora, no século VIII, o tufão devastador sopra rijo e abrasador de outro lado: vem da África. Eram os árabes, ou, segundo a denominação mais vulgarmente conhecida, os mouros, que, em migrações sucessivas, golfam a sua população sobre a da península, dando feição diferente à sua civilização pelos elementos novos, que lhe trouxe. Vencido Rodrigo, o último rei godo, na célebre batalha de Guadalete, ficou franca a passagem aos sarracenos, que inundaram a península, apossando-se do seu território. No entanto, Pelágio, acolhendo-se às asperezas das Astúrias, de aí caiu, como águia, sobre os vencedores das Espanhas, forçando-os em parte à retirada. Isto contribuiu para o ressurgimento da pátria goda, que, com o tempo, se foi alargando, dando lugar às monarquias cristãs da península. Entre elas distingue-se o nosso Portugal, nascido de um simples condado leonez, cujo governo Afonso VI de Castela confiara a D. Henrique, que casou com sua filha D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques.
Apenas investido na posse do Condado Portucalense (entre 1094 e 1095), o qual se estendia das margens do Minho ao Tejo, acariciou logo na mente a ideia da independência, a qual em todos os actos da sua vida o preocupou, trabalhando incessantemente a favor dela. A viúva do ilustre cavaleiro francês, D. Teresa, não adormeceu nos intentos do marido, antes procurou levá-los a efeito durante a menoridade de seu filho, que pôs o remate à empresa dos pais pelo esforço do seu braço, talentos militares e hábil política, de que usou para o conseguimento dos seus altos intuitos». In César Videira, Memória Histórica da Muito Notável Vila de Castelo de Vide, Edições Colibri e CIDEHUS-EU, 3ª edição 2008, ISBN 978-972-772-802-2.
Cortesia de Edições Colibri/JDACT