terça-feira, 22 de novembro de 2011

Paulo Loução. Portugal, Terra de Mistérios: «Nada é tão especial na filosofia pitagórica como o uso de símbolos, tais como os empregados na celebração dos mistérios. É uma maneira de falar que participa do silêncio e do discurso... O que nele se diz é muito evidente e claro, para aqueles que estão acostumados a essa linguagem»

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Porquê “Terra de Mistérios”?
«A raiz da palavra “mistérios”, 'fechar aboca' , revela-nos, por um lado, o silêncio necessário para que as cerimónias não fossem mal interpretadas; e, por outro, a necessidade de certos conhecimentos não ficarem acessíveis a pessoas de pouca força moral que, devido a isso, os utilizassem para fins meramente egoístas. Por isso, o discípulo era simbolizado por 'Harpócrafes', o menino Hórus com o dedo na boca. Assim se explica que tão pouco nos tenha chegado da antiga ciência dos mistérios, devendo ainda ter-se em conta o aniquilamento de inúmeras obras da antiguidade, causado por diversos fanatismos religiosos. Ennemoser sustentou estes pontos de vista: "Heródoto, Tales, Parménides, Orfeu e Pitágoras foram ao Egipto e ao Oriente a fim de se instruírem na filosofia natural (…). Por que razão se veio a conhecer tão pouco dos Mistérios? No curso de tantos séculos e entre tão diferentes épocas e povos? A resposta está no silêncio universalmente rigoroso do iniciado. Outra causa acha-se na destruição e perda completa de todos os relatos escritos do conhecimento da antiguidade”. Para dar um exemplo, a monumental Biblioteca de Alexandria, que tinha mais de quatrocentos mil rolos de pergaminho ou papiro, foi incendiada várias vezes, tanto por muçulmanos como por cristãos.

Cortesia de meuestoriar

Estes, a certa altura, dedicaram-se a queimar milhares de rolos de pergaminho e papiro, onde estavam escritas muitas jóias do conhecimento antigo, com a finalidade de que as letras de ouro, fundidas, dessem algumas gotas destinadas a decorar o peito de novos bispos.
Os Templários, como ordem esotérica, também guardavam um sigilo absoluto acerca dos seus mistérios. No processo que levou à sua extinção, o advogado Raoul de Prestes afirmou ter ouvido do templiário Gervais de Beauvais:
  • “(…) havia na Ordem um regulamento tão extraordinário e sobre o qual deveria ser guardado um tal segredo, que qualquer um teria preferido que lhe cortassem a cabeça a revelá-lo”.
De facto, assim foi. Morreram centenas de templários nas mais terríveis e cruéis máquinas de tortura da Inquisição (maldita) e nada se ficou a saber, por eles, da sua doutrina secreta. O poeta da “Mensagem” diz-nos que este sigilo, nos mistérios antigos, era necessário por três razões:
  • "A primeira era uma razão social; pensava-se que essas verdades eram inadequadas para comunicação a qualquer homem, a menos que ele estivesse de algum modo preparado para as receber e que além disso teriam resultados sociais desastrosos se fossem divulgadas, pois seriam necessariamente mal compreendidas. 'Etiamsi revelare destruere est...';
  • A segunda razão era filosófica; pensava-se que, em si próprias, essas verdades não eram de um género que o homem pudesse compreender e que daí, se lhe fossem inutilmente comunicadas, resultariam confusão mental e desequilíbrio no seu comportamento;
  • A terceira era, por assim dizer, uma razão espiritual; pensava-se que, por serem verdades da vida interior, essas verdades não deviam ser comunicadas, mas apenas sugeridas, e que a sugestão devia ser impressionante, rodeada de secretismo, para que pudesse ser sentida como valiosa, com um ritual, para que pudesse impressionar e surpreender com símbolos, para que o candidato fosse forçado a descobrir a sua própria via, lutando para interpretar os símbolos, em vez de se julgar já sabedor de tudo se a comunicação tivesse sido feita por ensinamento dogmático ou filosófico”.

Cortesia de geocaching 

A terceira razão apontada por Fernando Pessoa merece a maior atenção. Plutarco (46-119 d. C.), ele próprio iniciado nos mistérios e sacerdote do Templo de Apolo em Delfos, corrobora o pensamento do poeta português na sua obra “Os Mistérios de Ísis e Osíris”: «Nada é tão especial na filosofia pitagórica como o uso de símbolos, tais como os empregados na celebração dos mistérios. É uma maneira de falar que participa do silêncio e do discurso... O que nele se diz é muito evidente e claro, para aqueles que estão acostumados a essa linguagem. Para os ignorantes é obscuro e difícil de compreender O sentido aparente destes símbolos não é o verdadeiro, sendo preciso buscar o que eles encerram».

Platão, nos seus diálogos, fala amiúde dos mistérios:
  • "A alma não pode assumir a forma de um Homem, se ela nunca viu a verdade. Esta é uma lembrança dos pensamentos que a nossa alma viu outrora, quando passeava com a divindade, desprezando as coisas que dizemos que São, e olhando para aquilo que realmente É. Eis porque só Nous, ou espírito do filósofo, é dotado de asas; porque ele, tanto quanto lhe é possível, se lembra dessas coisas cuja contemplação torna a própria divindade divina. Fazendo correcto uso dessas reminiscências da vida anterior, aperfeiçoando-se nos mistérios perfeitos, o homem torna-se verdadeiramente perfeito; um iniciado na mais perfeita sabedoria».
In Paulo A. Loução, Portugal, Terra de Mistérios, Edições Esquilo, 2001, ISBN 972-8605-04-8.

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Cortesia de Esquilo/JDACT