domingo, 1 de abril de 2012

Leonel Borrela. Cartas de Soror Mariana Alcoforado. Das Lettres Portugaises. «Camilo já tinha referido a existência em Beja de uma família Alcoforado e Luciano confirmou-a, em 1888 e 1891, com fartos documentos, além de encontrar outros relativos à própria religiosa Mariana Alcoforado; enfim, datas, lugares, nomes, circunstancias várias narradas nas cartas…»


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Cartas Polémicas
«Do século XVIII acode à contestação o desamparado pressentimento de Rousseau que "apostava tudo em como a autoria das cartas era de um homem", pois que, segundo o seu ponto de vista, uma mulher nunca teria inteligência para tal empresa. Mais conservadores quanto às possibilidades femininas deveriam ser os homens do século anterior e, mesmo assim, deixaram passar as referidas cartas, mas, Rousseau, não!
A nota Boissonade é fulcral na abordagem à problemática da autoria feminina das “Lettres Portugaises”, porquanto traz para a ribalta o nome de família de Mariana, os Alcoforados da cidade de Beja, Filinto Elísio e o Morgado de Mateus, exilados em França, são os primeiros portugueses a fazer, respectivamente, em 1818 - 1819 e 1823 - 1824, retroversões para a língua materna, enquanto nos anos seguintes Alexandre Herculano, Lopes de Mendonça e Camilo C. Branco, negam, sem sustentabilidade, a sua autoria feminina, seja ela portuguesa ou estrangeira. Acreditam também que as Cartas foram inicialmente escritas em francês. Será Luciano Cordeiro o primeiro investigador, digno deste nome, da questão das “Lettres Portugaises". Camilo já tinha referido a existência em Beja de uma família Alcoforado e Luciano confirmou-a, em 1888 e 1891, com fartos documentos, além de encontrar outros relativos à própria religiosa Mariana Alcoforado; enfim, datas, lugares, nomes, circunstancias várias narradas nas cartas, tudo parecia, e parece, comprovar a origem feminina e portuguesa das cinco cartas editadas em paris, em 1669.

F. C. Green, em 1926, publica um valioso documento: o Registo solicitado por Barbin, datado de 17 de Novembro de 1669, para um livro intitulado “Les Valentines lettres portugaises Epigrames et Madrigaux de Guilleragues”. O Privilegio Real, datado de 28 de Outubro de 1668, permitia ao livreiro a exclusividade editorial durante cinco anos. Desde então, o mundo literário, francês e português, em acordo ou em dissonância, procura a hipótese que considera mais correcta e quase nem distingue a escrita minúscula de “lettres portugaises” das maiúsculas de “Valentines [...] Epigrames et Madrigaux”. Será que Guilleragues pediu a Barbin o registo, como seria normal para a época, das suas “Valentinas" com roupagem das já conhecidas, e traduzidas por si, ‘Cartas Portuguesas’, para que a reputação destas lhas pudesse catapultar e servir de benefício económico? E provável, porquanto o mercado livreiro de então já tinha, também, as suas subtilezas. O facto das ‘Cartas’ virem discriminadas no registo com letras minúsculas alguma coisa de diferente devem querer dizer. Os três nomes que têm a inicial maiúscula corresponderiam, naturalmente, a obras de Guilleragues, enquanto os dois com minúscula poderiam acusar a tradução. Roger Chartier, a propósito da constituição de bibliotecas reais no final do século XVI, destaca o caso das obras da "autoria" de François de La Croix du Maine, mesmo que compiladas de outros autores, testemunho das bolandas autorais em que andaram inicialmente "perdidas" muitas obras bibliográficas.

Fac-símile do Registo das obras de Guilleragues realizado por Barbin em 1668. BNF.
Leitura: "Ce jourdhuy 17 Novembre 1668 nous a este prezenté un Privilege du Roy donné a Paris le 28 Octobre 1668 Signe Margeret pour cinq annees pour un livre intitule Les Valentines lettres portugaises Epigrames et Madriguax de Guilleraques".
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O professor António Gonçalves Rodrigues (1906-1999), foi um dos maiores opositores da tese alcoforadina (1935-1943). Fez a leitura linear do Registo de Privilégio concedido a Barbin, para publicar "obras" de Guilleragues, mas não reparou nas iniciais minúsculas de “lettres portugaises”, característica que as diferenciam, como vimos, de “Les Valentines, Epigrames e Madrigaux”.
Alain Viala refere na sua obra ‘O nascimento do escritor’, que, em 1669, uma maneira de um editor fugir à obrigação de mencionar o autor, imposta por lei desde 1571, era a de organizar uma colectânea, composta por uma série de obras de diversos autores, mas sob o nome de um único. Quando o autor tomava essa iniciativa, o privilegio vinha no seu nome, embora a maioria das obras não fossem suas.
Myriam Cyr, em “O Amor proibido de uma freira portuguesa”, descreve em pormenor, esta importante pesquisa de Viala que vem abrir, como diz a autora, uma nova interpretação do registo de privilégio, contudo descurou a versão correcta do "livro" de Guilleragues, que em lugar de ser "Valentines, Cartas Portuguesas, Epigramas e Madrigais", é, como muito bem reproduzem Rodrigues e Belard da Fonseca “Les Valentines lettres portugaises Epigrames et Madriguax" de Guileraques. Como já referimos anteriormente esta atitude propositada, adoptando as letras minúsculas para discriminar as ‘lettres portugaises’ está em perfeita sintonia com o resultado dos estudos de Viala». In Leonel Borrela, Cartas de Soror Mariana Alcoforado, Edição 100Luz, 2007, ISBN 978-972-99886-7-7.

Cortesia de 100Luz/JDACT