«(…) Apenas poucos dias depois da passagem de um ano que havia começado de modo tão promissor, Joanna estava com a sensação de ter sido jogada do alto do Empire State. Em alta velocidade. Sem aviso. O motivo era Matthew..., o amor da sua vida. Ou, melhor dizendo, desde a véspera, o ex-amor da sua vida. Joanna mordeu com força o lábio inferior, tentando não recomeçar a chorar, esticou o pescoço em direcção aos bancos da frente, mais próximos do altar, e constatou aliviada que os membros da família que todos aguardavam ainda não tinham chegado. Ao olhar novamente para a porta principal, pôde ver que os paparazzi lá fora acendiam cigarros e mexiam nas lentes das câmaras. As pessoas na sua frente começavam a se remexer nos desconfortáveis bancos de madeira, sussurrando algo para quem estivesse ao lado. Ela correu os olhos rapidamente pela multidão e identificou as celebridades mais importantes a ser mencionadas na sua matéria, esforçando-se para distingui-las pela parte de trás da cabeça, a maioria grisalha ou branca. Enquanto rabiscava os nomes no bloco, imagens do dia anterior tornaram a invadir sua mente... De maneira inesperada, à tarde, Matthew tinha aparecido à porta do seu apartamento em Crouch End. Depois das intensas comemorações de Natal e Ano-Novo, os dois haviam concordado que cada um ficaria no próprio apartamento para passar alguns dias tranquilos antes de recomeçar o trabalho.
Infelizmente, Joanna passara esse
tempo com seu pior resfriado em anos. Foi abrir a porta para Matthew abraçada a
uma bolsa de água quente do Ursinho Pooh, usando um pijama de tecido térmico
antiquíssimo e calçando um par de meias de dormir listradas. Percebeu na mesma
hora que havia algo errado quando ele permaneceu de pé junto à porta, sem
querer tirar o casaco, os olhos se movendo depressa para um lado e para o
outro, fitando qualquer coisa, menos
ela... Ele então lhe disse que andara pensando. Que não via futuro
no relacionamento dos dois. E que talvez estivesse na hora de terminar. Já faz
seis anos que estamos juntos, desde o fim da faculdade, disse ele, mexendo nas
luvas que ela havia lhe dado no Natal. Sei lá, eu sempre pensei que com o tempo
fosse querer-me casar com você..., unir oficialmente as nossas vidas, sabe? Mas
esse momento não chegou... Ele deu de ombros sem muita convicção. E, se eu não
sinto isso agora, não acho que vá sentir algum dia. Joanna apertou a bolsa de água
quente enquanto observava a expressão culpada e cautelosa de Matthew. Enfiou a
mão no bolso do pijama até encontrar um lenço de papel húmido e assoou o nariz
com força. Então o encarou directamente nos olhos. Quem é ela? O rubor se
espalhou por todo o rosto e pescoço de Matthew. Eu não tinha a intenção de que
isso acontecesse, balbuciou ele. Só que aconteceu, e não posso mais continuar fingindo.
Joanna recordou a noite de réveillon que os dois haviam passado juntos quatro
dias antes. Concluiu que ele tinha conseguido fingir muitíssimo bem.
Aparentemente, o nome dela era
Samantha. Eles trabalhavam juntos na agência de publicidade. Ela era directora
de contas, ainda por cima. Tudo havia começado na noite em que Joanna estava na
pesquisa de um deputado do partido conservador por conta de uma pauta sórdida e
não chegara a tempo da festa de Natal da agência de Matthew. A palavra clichê
ainda rodopiava na sua mente. Mas então ela caiu em si: de onde vinham os clichês,
senão dos denominadores comuns do comportamento humano? Eu juro, juro que
tentei com toda a minha força parar de pensar na Sam, continuou Matthew. Tentei
mesmo, durante todo o Natal. Foi maravilhoso estar com a sua família em
Yorkshire. Mas aí estive com ela de novo na semana passada, só para beber
alguma coisa rápida, e...
Joanna
estava fora do jogo. Samantha estava dentro. Era simples assim. Tudo que ela
conseguiu fazer foi encará-lo, com os olhos ardendo de espanto, raiva e medo,
enquanto ele continuava a falar: no início eu pensei que fosse só atracção. Mas
é óbvio que, se eu sinto isso por outra mulher agora, não me posso comprometer
consigo. Então estou fazendo a coisa certa. Ele a encarou, quase suplicando
para que lhe agradecesse por sua nobreza. A coisa certa..., repetiu ela com uma
voz apática. Então irrompeu numa enxurrada de lágrimas congestionadas
provocadas pela febre. De algum lugar muito longe, pôde ouvir a voz de Matthew balbuciando
mais desculpas. Forçando-se a abrir os olhos inchados e encharcados de lágrimas,
viu-o afundar, pequeno e envergonhado, na poltrona de couro gasto. Vá embora,
disse ela por fim, com voz rouca. Seu traidor mentiroso, hipócrita maldito! Vá
embora daqui! Vá embora daqui agora! Olhando
em retrospecto, o que deixou Joanna realmente mortificada foi que Matthew nem
sequer relutou. Ele se levantou, murmurando algo sobre diversos pertences
deixados no apartamento dela, e sugeriu que se encontrassem para conversar
quando a poeira baixasse. Em seguida, praticamente correu na direcção à porta. Joanna
havia passado o restante da noite chorando ao telefone com a mãe, com a secretária
eletrónica do seu melhor amigo, Simon, e com os pêlos cada vez mais ensopados
da sua bolsa de água quente do Ursinho Pooh». In Lucinda Riley, A Carta Secreta,
2018, Editora Arqueiro, 2019, ISBN 978-858-041-941-2.
Cortesia de EArqueiro/JDACT
JDACT, Lucinda Riley, Literatura, MLCT,