O messianismo cristão
«(…) Se os santos estrangeiros mostravam tanto interesse pelos destinos de Portugal, não é de admirar que os santos nacionais se esforçassem por excedê-los. Muito popular, sobretudo na época da Restauração, era uma profecia de São frei Gil, um dos primeiros dominicanos de Portugal (m. ca. 1265). Traduzida para o Português, a parte essencial da sua profecia é deste teor:
Como o não Esperado tanto podia ser João IV como Sebastião I, a profecia agradava aos dois partidos. O que não admitia dúvida era que o redentor de Portugal seria Imperador da Monarquia Mundial. Outro santo português, dotado de espírito profético, foi o Beato Amadeu, fundador de um ramo austero dos frades menores da Itália (século XV) e autor de um comentário sobre o Apocalipse (ainda inédito). Jaz sepultado em Milão, com um livro fechado na mão: Sucessos do Reino de Portugal; o livro se abrirá a seu tempo. O caso não podia deixar de dar origem a muitas especulações.
Em meados do século XVI vivia em Lisboa um sapateiro santo, chamado Simão Gomes, a quem se atribuíam profecias sobre a catástrofe de Alcácer-Quibir, o domínio filipino e a recuperação da independência nacional. O padre José Anchieta, de origem castelhana, mas integrado na causa nacional como apóstolo do Brasil, no dia fatal de 4 de Agosto de 1578 teria dito ao capitão Miguel Azevedo que Sebastião I perdera a batalha, mas não morrera e que, ao cabo de muitos anos, novamente tomaria posse do seu Reino. Na galeria dos profetas nacionais figura também, desde o final do século XVII, o padre António Vieira. Este, embora não gozasse de fama de santo, como os já referidos varões, teria prenunciado o terramoto de Lisboa na décima seguinte:
Depois de passarem mil,
e setecentos voarem,
dois cinco virão que acabem
aquela obra em porfil.
Um arroto não subtil
do mais pesado elemento
causará grande lamento
com seu arrojo iracundo.
Dará memória ao Mundo
e à Lísia, por muito tempo.
Em meio a tantas vozes masculinas, era inevitável que também o sexo frágil se fizesse ouvir. Diferentemente dos homens, as mulheres não proferiam profecias, mas recebiam visões ou revelações, coisas julgadas mais conformes à modéstia feminina. Entre as mulheres favorecidas pelo Céu mencionamos aqui a madre Leocádia da Conceição, no Porto, e a freira Leonor Roís, em Belém. Também eram alegadas visões da grande mística castelhana, Santa Teresa de Ávila. Havia ainda profetas leigos, que, além do mais, não eram santos nem letrados. O mais célebre entre todos eles é Bandarra. Outro profeta leigo é um certo Simão Nunes, de quem praticamente nada sabemos senão que foi ourives em Braga. Dele possuímos umas profecias rimadas, que, como era de esperar de um ourives, têm a pretensão a certo requinte técnico. Nem faltam nos cartapácios dos sebastianistas os vaticínios de Nostradamus, embora quase irreconhecivelmente deturpados. Ao que parece, os compiladores eram muito pouco versados na língua francesa, tendo das Centuries só conhecimentos de segunda mão, que eram incapazes de verificar na fonte.
Alguns deles deviam-no ter por autor castelhano, porque o costumavam citar na língua do país vizinho. O resultado desta confusão é deplorável e, por vezes, cómico. Onde o médico-astrólogo de Salon diz:
Gand et Bruxelles marcheront contre Anvers, alguns cartapácios apresentam esta tradução: Gentes de Bruxelas marcharão contra Andaluzes.
E as profecias joaquimistas? A resposta pode ser breve. Do próprio abade não ocorre nenhum texto nem nos cartapácios, nem nos tratados dos sebastianistas. Joaquim Fiore era um ilustre desconhecido, inclusive para os dois coriféus do messianismo seiscentista: Dom João Castro e o Padre António Vieira. Ambos falam com muito respeito no venerável Abade, mas confundem as obras autênticas e apócrifas (coisa bastante comum no século XVII, também fora de Portugal) e ignoram por completo a doutrina dos três estados e o método exegético das concórdias. João Castro dá mostras de conhecer bem a literatura do joaquimismo posterior, sobretudo nos seus escritos inéditos, mas também ele não faz a devida distinção entre a doutrina do mestre e a dos seus adeptos». In José Van den Besselaar, O Sebastianismo História Sumária, Instituto Camões, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Biblioteca Breve /Volume 110, Livraria Bertrand, 1987.
Cortesia de CV Camões/JDACT
D. Sebastião, JDACT, José Basselaar, Cultura, História,