Castelo de Xabier. Novembro do ano de 1027
«(…) Regressou para junto de
Eneca e agarrou-a pelo braço. Voltou a ouvi-lo, estava mais perto. Olhou para a
filha como só uma mãe pode fazer. A pequena não se parecia nada com ela, nem no
físico nem na forma de ser. Mas era sua filha, sangue do seu sangue. Tirou a
cruz que lhe pendia do pescoço e passou-a pela cabeça da menina. Eneca,
sussurrou, nunca deixes que alguém ta tire, promete-me. Mãe... Promete!, exigiu
Iguazel, sacudindo-a. Sim, mãe. Muito bem, minha filha. Lembras-te de quando vamos
até à ponte do rio para nos despedirmos do teu pai? Sim, claro. Pois agora
quero que vás até lá sozinha. Fá-lo-ás? Eneca assentiu com a cabeça. Isso
mesmo, já és crescida, sei que és capaz. Nunca confies em ninguém. Mas...
Voltou a ouvir-se o relincho de
um cavalo e gritos. Iguazel fitou-a com infinita tristeza, como seria capaz de
se separar dela? Era tão pequena, tão frágil… e, ao mesmo tempo, conhecia a enorme
força que transbordava dos seus jovens olhos. Tinha de o fazer, estavam perto e
sabia já o que aconteceria caso apanhassem a filha. Vai e não pares. Uma vez na
ponte, espera que eu chegue. Promete. Prometo, mãe. E deu-lhe um beijo na
testa. Agora corre, vamos!
A mãe ficou de pé junto ao rio,
enquanto a rapariga seguia o leito. Pegou numa pedra e agachou-se atrás do
tronco de uma grossa árvore. Naquela penumbra espessa, apenas distinguia
sombras, viu então como alguns ramos se moviam diante dela. A menina parou ao
ouvir o relinchar de um cavalo. Virou-se para onde acabara de se despedir da
mãe e descobriu-a escondida atrás dos arbustos. O cavaleiro desmontou e
desembainhou a espada, cuja lâmina curva cortou a noite com um silvo. O
sarraceno deu um par de passos, deixando a mãe de Eneca atrás de si. E então, o
olhar do infiel atravessou a penumbra até descobrir Eneca ao longe, eram os
olhos de sangue. A mãe surgiu de entre as sombras e atingiu-o na cabeça,
derrubando-o. Corre, Eneca! Corre! O muçulmano ergueu-se com o rosto
ensanguentado, esquivou-se ao golpe seguinte da mulher e agarrou-a pelo pescoço
só com uma mão. Ela olhou para o lugar onde vira Eneca e sorriu de alívio ao
verificar que a filha já não se encontrava ali.
Pamplona. 22 de Novembro do ano de 1027
Naquela manhã, o mercado
fervilhava, repleto, tendo ali acorrido comerciantes de todos os lugares do
reino. Traziam vinho do Norte do condado de Castela, jóias recém-chegadas das terras
de Leão, cerâmicas de Astorga, tecidos de Haro e Nájera, doces de Palencia,
calçado de Carrión, peixe de Laredo e Santillana, queijo do vale de Baztán,
madeira talhada de Garay e as melhores peles curtidas em Boltaña e em Jaca.
As ruas da cidade estavam
adornadas com pendões de todas as casas vassalas do rei. Um fervedouro de
gentes variegadas, cavaleiros adornados com os melhores trajes, damas ataviadas
com as suas ricas jóias, abundantes comitivas, vistosos cortejos, senhores de
todos os castelos do reino, gentis embaixadas dos condados de Castela, Aragão,
Sobrarbe e Ribagorça. Veneráveis clérigos, bispos embrulhados nas suas casulas púrpura
e estolas douradas. Homens de armas, escudeiros, pajens e gente do povo que se
esforçava por ver os seus senhores. Todos sabiam da chegada a Pamplona do mais
ilustre da nobreza do reino. Há vários anos que o rei Sancho, o terceiro de seu
nome, chamado por muitos Sancho, o Maior, por estar a sua grandeza acima
de qualquer outro ilustre monarca, costumava celebrar a festividade de Santa
Cecília em Pamplona. A corte era itinerante, por isso, apesar de ser a capital
do reino, as estadas da família na cidade eram escassas e, quando aconteciam,
não havia vassalo que não acorresse aos festejos». In Luis Zueco, O Castelo, 2015,
Alma dos Livros, 2020, ISBN 978-989-899-914-0.
Cortesia de AdosLivros/JDACT
JDACT, O Castelo, História, Século XI, Idade Média,