Morre uma lenda viva
Sir James Harrison, considerado
por muitos o maior actor de sua geração, morreu ontem na sua casa de Londres,
cercado por familiares. Ele tinha 95 anos. Um funeral só para os mais próximos
acontecerá na semana que vem, seguido pela celebração de uma missa na cidade em
Janeiro.
O coração dela ficou apertado, e o jornal estremeceu entre os seus dedos com tanta violência que ela mal conseguiu ler o resto. Junto ao texto havia uma imagem dele recebendo da rainha a Ordem do Império Britânico. Com lágrimas borrando a sua visão, ela traçou com o dedo o contorno do perfil marcado, da farta cabeleira grisalha... Será que ela poderia..., será que se atreveria a voltar? Só uma última vez, para se despedir? Enquanto o chá matinal esfriava intocado ao seu lado, ela virou a primeira página para continuar a leitura, saboreando os detalhes da vida e carreira de sir James. A sua atenção foi então atraída por outra pequena matéria mais abaixo:
Corvos somem da torre
Os célebres corvos da Torre de
Londres desapareceram. Segundo a lenda, as aves residem no local há mais de
quinhentos anos, protegendo a Torre e a família real, conforme decreto de
Carlos II. O guardião dos corvos foi alertado ontem no início da noite sobre o
sumiço dos pássaros, e uma busca em todo o país encontra-se em andamento.
Que os céus nos ajudem, sussurrou ela, sentindo o medo invadir as velhas veias. Talvez fosse uma simples coincidência, mas ela conhecia muito bem o significado daquela lenda.
Joanna Haslam atravessou Covent Garden correndo a toda a velocidade, com a respiração pesada, arfando de tanto esforço. Esquivando-se de turistas e grupos escolares, por pouco não derrubou um artista em plena apresentação, quando, num movimento, a sua mochila voou para trás dela. Chegou à Bedford Street bem no momento em que uma limusine parava em frente aos portões de ferro forjado que conduziam à igreja de Saint Paul. Fotógrafos cercaram o carro enquanto um chofer saltava para abrir a porta traseira. Droga! Droga! Com o seu último resquício de forças, Joanna correu os poucos metros que faltavam até aos portões que davam para o pátio calçado, e o relógio na fachada de tijolos da igreja confirmou que ela estava atrasada. Já perto da entrada, olhou de relance para o grupo de paparazzi e viu que Steve, seu fotógrafo, ocupava uma óptima posição, no topo da escada. Acenou e ele fez um sinal de OK com o polegar enquanto ela se espremia para passar pela multidão de fotógrafos aglomerada ao redor da celebridade que acabara de saltar da limusine. Uma vez dentro da igreja, viu que os bancos estavam abarrotados, iluminados pela luz suave dos candelabros pendurados no tecto alto. Ao fundo, o órgão tocava uma música soturna. Após mostrar a sua credencial de imprensa ao recepcionista e recuperar o fôlego, ela entrou numa das fileiras de trás e sentou-se agradecida. Seus ombros moviam-se a cada arquejo enquanto ela vasculhava a mochila em busca do bloco e da caneta. Embora fizesse um frio gélido dentro da igreja, Joanna sentiu gotas de suor na testa; a gola rulê do suéter de lã de carneiro que vestira apressada agora grudava desconfortavelmente na pele. Ela pegou um lenço de papel e assoou o nariz. Então, passando uma das mãos pelo emaranhado de cabelos escuros compridos, recostou-se no banco e fechou os olhos para recuperar o fôlego». In Lucinda Riley, A Carta Secreta, 2018, Editora Arqueiro, 2019, ISBN 978-858-041-941-2.
Cortesia de EArqueiro/JDACT
JDACT, Lucinda Riley, Literatura, MLCT,