domingo, 6 de novembro de 2011

Jaime Cortesão. Crónicas Desaparecidas, Mutiladas e Falseadas. «Todo um capítulo, o VI da “Crónica do Príncipe D. João” ele dedica claramente a apontar o desaparecimento duma série de crónicas que deviam versar sobre os Descobrimentos, chegando a insinuar que as furtara Rui de Pina»

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Crónicas sequestradas ou destruídas 
«Finalmente termina o relato dos descobrimentos em tempo de D. Afonso V com estas estranhas palavras: 
  • «Também se descobriu a ilha de S. Thomé, Anno bom e a do Príncipe por mandado del Rey dom Affonso, e “outros resgastes e ilhas”, das quais não tratamos em particular por não termos quando e per que capitões foram descobertas. Porém sabemos na voz comum serem mães cousas passadas e descobertas no tempo deste Rey do que temos escrito…»
Que outras ilhas e resgates (comércios), por consequência terras habitadas, seriam estas? Na África por certo não, pois ele continua descrevendo o descobrimento das suas costas, dizendo quando e os capitães que as descobriram. E é crível, porventura, que o culto D. Afonso V, que se encarregara Azurara de escrever sobre os Descobrimentos em tempo de seu tio e lhe encomendara as crónicas, de não maior interesse, dos condes de Meneses, esquecesse os feitos descobridores realizados após a morte de D. Henrique? 
Góis, se não avança uma afirmativa de tal alcance como esta última de Barros, é, todavia, mais explícito no que toca ao silêncio dos cronistas. Todo um capítulo, o VI da “Crónica do Príncipe D. João” ele dedica claramente a apontar o desaparecimento duma série de crónicas que deviam versar sobre os Descobrimentos, chegando a insinuar que as furtara Rui de Pina. As suas notáveis afirmações sobre o desaparecimento das crónicas são ratificadas e desenvolvidas ainda no longo capitulo XXXVIII da parte IV da “Crónica de D. Manuel”.

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Conjugando o que uns e outros dizem com alguns outros factos que Damião de Góis desconheceu ou calou, e com o exame da “Crónica da Guiné”, cremos alcançar a prova de que o silêncio dos cronistas foi propositadamente organizado, a data em que ele começou e os seus principais agentes e mandatários. 
Digamos desde já que em especial Góis cita e relaciona uma série tal de desaparecimentos de crónicas ou omissões de factos nas que ele conhecia, sobre Descobrimentos, que não se pode crer senão que ele soubesse a causa explicativa, mas não a pudesse revelar.
Para melhor inteligência dos leitores vamos referir, um por um, a série desses factos, relacionando-os pouco a pouco até as condições finais. Quando Góis escrevia, segundo as suas próprias afirmações, de longa data que haviam desaparecido: 
  • A terceira parte da “Crónica de D. João I, por Fernão Lopes, e que ia da tomada de Ceuta ao falecimento do Rei, abrangendo assim os começos da época dos Descobrimentos;
  • […nestes novos descobrimentos…aquilo que por extenso houvera de ser escrito na terceira parte da “Crónica de el-rei D. João", o primeiro, depois da tomada de Ceuta, até o seu falecimento, que foi tempo de dezoito anos, dos quais não vi cousa que Fernão Lopes, que foi cronista e guarda da Torre do Tombo e compôs de novo esta “Crónica de el-rei D. João", escrevesse, a qual terceira parte eu ousaria de afirmar que ele fez, mas como se lhe este trabalho roubou não me atreveria a dizer por honra dos que depois dele escreveram…» Cap. VI da “Crónica do Príncipe D. João”. No cap. Citado da “Crónica de D. Manuel” afirma; «…donde se vê na verdade ter este copioso escritor Fernão Lopes feitas e compostas as crónicas dos reis atrás e toda a del rei D. João I»] 236».
In Jaime Cortesão, A Expansão dos Portugueses no Período Henriquino, Portugália Editora, Lisboa 1965.

Continua
Cortesia de Portugália Editora/JDACT