segunda-feira, 7 de novembro de 2011

José Duro. Prosa. Flores da Inocência: «Depois, senta-se num banco de mármore que tem como recosto o tronco envelhecido dum cedro, e por forro o macio e humilde musgo silvestre. Então docemente [...] o seu seio virginal e transparente arfa em constantes palpitações nascentes»

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Dores
Flores da Inocência
A Manuel Dias Ferreira
«Quase no cume dum cabeço asperamente alcantilado, que o sol fulgente beija numa louca embriagues, vê-se solidamente entronada uma vivenda de aparência rústica. Aqui e ali pequenos tapetes maravilhosamente matisados com as florinhas singelas do campo, cujo perfume é tão doce como a pura inocência das tímidas crianças, dão no todo um magnífico jardim onde a natureza, sublimemente extasiada, depôs a sua harmónica simplicidade. Mais além, um imenso lago cujo repuxo brota constantemente cristalinas gotas de água que ferindo o ar em rutilantes cintilações, formam ao cair um como que alvíssimo lençol. E para mais enaltecer o belo deste quadro com que a excelsa natureza foi pródiga, vemos ainda um pequeno bosque onde a passarada alegre por entre a folhagem macia, tépida e ciciante, solta as suas zumbentes toadas numa paz serena e confortável.

E à noite, às horas mansas em que o sol mergulha no ocaso excandecente, uma mulher formosa como as estrelas passeia pelas margens limosas do fremente lago. Sempre com a fronte placidamente anuviada da resplendente e dúlcida alegria dos inocentes, Dores deixa ver um conjunto de foprmas tão misteriosamente sintetizado, que mais parece uma estatua de Fídias reproduzida nas idades modernas, que um ser sensível da realidade.

Com 16 anos
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Depois, senta-se num banco de mármore que tem como recosto o tronco envelhecido dum cedro, e por forro o macio e humilde musgo silvestre. Então docemente envolvida na vaga solidão dos tranquilos montes, a sua voz débil e suave desfere de vez em quando dulcíssimas frases d'amor, e o seu seio virginal e transparente arfa em constantes palpitações nascentes. E os seus olhares tão meigamente cheios de ternura, tornam tímidas as almas sencientes de juvenil amor, aonde se vai fulgir a sua imensa poesia. E os seus cabelos pretos em rendilhadas ondulações fantásticas, tremulam brandamente ao cingi-los a leve aragem.
E as suas faces alvíssimas, levemente carminadas com a tinta misteriosa do belo, semelham duas florescentes rosas de Maio. E os seus lábios semiabertos exalando o amoroso e vivificante perfume dos poemas do coração, lembram duas flores a desabrochar timidamente ao romper da aurora. Como deve ser feliz!! Portalegre, 26-6-1893, J. A. Duro Junior». In Diário de Elvas, nº 30, de 4-8-1893.

Maísa
Flores da Inocência
A minha irmã Maria d’Assunção Duro
«Era noite. A rua caminhando mansamente no estrelado azul, branqueava num deslumbramento intraduzível, as fragrantes e umbrosas árvores dos bosques. As idílicas canções dos arados pássaros, misturadas, ecoavam pelas excrecências bruscas dos titânicos montes, numa discordância asperamente selvática. E Maísa, o anjo célico da juventude, observava as ligeiras crepitações duns cavacos secos que ardiam na lareira, ferindo funambulescamente o ar de envolta com as espirais adelgaçadas de fumo, que as labaredas rotas e doidejantes furtivamente produziam. Então, sua mãe, a velha Marta, vendo-a tão profundamente distraída, começou a contar-lhe uma história de fadas, terminada a qual Maísa perguntou ingenuamente.

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“Oh! Minha mãe o que é o amor?" - "O amor minha filha, é um sentimento nobre e audaz que nasce na alma, que a santifica, e que muitas vezes lança, nos ermos da tristeza e da solidão, os que antes viveram no mar das alegrias”. É a flor mimosa cujo perfume, tão puro como suave, enebria fluentemente num mago entusiasmo os que o aspiram. É ameiga crisálida que volteando estonteadamente pelos verdejantes prados, ensandece com seus beijos ardentes e expansivos, as florinhas sobre que adeja. É o canto amorável do rouxinol com suas notas com seus trinados, nas noites, formosas de primavera. É o ligeiro murmúrio da brisa crepuscular, quando agita timidamente as virentes folhinhas dos arbustos. O amor é tudo quanto a natureza de bom e sublime, confundido numa só nota: o sentimento do belo.
Mas... minha mãe, não sei... não compreendo...

Diz-me; às vezes fruindo no jardim os mágicos idílios das avezinhas, ou no tanque os iriados peixes rasgando morosamente a água, ou colhendo flores com que me ofertas, que sentes se então me encontras? "Sinto um não sei «que», uma alegria súbita inexplicável, que me faz tremer de contente." "Pois essa alegria que tu sentes é o amor, o laço íntimo que nos une”.

Quase no final...
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"Ah!... balbuciou Maísa; e num louco arroubamento abraçaram-se ambas, mãe e filha. Que majestade de quadro! A alma envelhecida pelo passado osculando o coração da inocência!
Porém como até então, o anjo célico da juventude ficou desconhecendo o outro amor, o que se traduz num sorriso, o que se realça num olhar. Oh inocência como tu és doce! Portalegre, 5-8-1893, J. A. Duro Júnior». In Diário de Elvas, nº 46, de 24-8-1893.

In José Duro, Textos dispersos, Coordenação de António Ventura, edições Colibri, 1999, ISBN 972-772-120-6.

Cortesia de Edições Colibri/JDACT