sexta-feira, 9 de julho de 2021

A Irmandade Perdida. Anne Fortier. «O barco então balançou e os rapazes, na mesma hora estenderam a mão para amparar o pai. Mirina viu os três olharem nervosos para a água e entendeu…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Norte de África

«(…) Assim que chegaram perto o suficiente para serem vistas, Mirina acenou com a lança no ar para chamar a atenção dos outros. A água agora batia na sua cintura e Lilli ia agarrada às suas costas. Os homens a encararam incrédulos, o que não era de espantar. Eles nos viram!, arquejou Mirina, avançando com passos bambos pela água lamacenta. Estão sorrindo e acenando para subirmos a bordo... Ao se aproximar do barco, porém, viu que os homens não estavam sorrindo, mas sim gesticulando frenéticos, com os semblantes contorcidos pelo medo. Instantes depois, agoniados, os homens puxaram primeiro Lilli, depois Mirina para dentro do barco e, logo em seguida, aliviados, apontaram para a água enquanto desfiavam longas explicações num idioma estrangeiro. O que foi?, quis saber Lilli, segurando-se na túnica enlameada da irmã. O que eles estão dizendo? Quem me dera eu entendesse, murmurou Mirina. A julgar pela aparência, os pescadores eram o pai e dois filhos adultos. Não pareciam do tipo que se deixava abalar com facilidade. Eu acho...

O barco então balançou e os rapazes, na mesma hora estenderam a mão para amparar o pai. Mirina viu os três olharem nervosos para a água e entendeu, por fim, o motivo de seu alarme. Uma forma comprida e malhada rodeava o barco, deslizando o imenso corpo pela água barrenta. Seria um peixe grande? Mas ela não viu nem cabeça nem cauda, somente um corpo interminável da mesma grossura de um ser humano. Era uma cobra gigantesca. O que houve?, ganiu Lilli, sentindo a súbita tensão. Me diga! Mirina mal conseguia falar. Já tinha visto cobras grandes, claro, mas nunca algo como aquilo. Ah, nada, conseguiu articular, enfim. Só umas algas presas no casco. Após alguns segundos de aflição, a cobra pareceu perder interesse pelo barco, e os homens relaxaram e recomeçaram a conversar. Verificaram mais algumas armadilhas, mas a pescaria foi magra: apenas uma dúzia de peixes e um par de enguias. Apesar disso, eles pareciam animados ao recolher as varas e, a duras penas, começar a impulsionar o barco para a frente com movimentos curtos e ritmados. Para onde estamos indo?, sussurrou Lilli, trémula de cansaço. Mirina puxou a cabeça da irmã para junto do peito e afagou seu rosto sujo de lama. Para a cidade grande, leoazinha. A Deusa da Lua está nos esperando, lembra-se?

Aurora

Se o dr. Ludwig ficou surpreso ao me ver sentada junto ao portão de embarque, folheando com gestos casuais uma revista de bordo abandonada, não demonstrou nada. Apenas meneou a cabeça como se minha presença já fosse esperada e ofereceu: café? Assim que ele se afastou, relaxei de alívio e exaustão. Por mais calma que aparentasse estar, as últimas horas sem dúvida tinham sido as mais agitadas da minha vida, e eu não havia parado sequer para respirar depois de encontrar o caderno da avó no sótão. Por sorte, meu pai tinha-se mostrado muito disposto a uma pequena aventura e insistira em me levar até ao aeroporto. Mas confesso que estou um tanto curioso, dissera ele, de modo sensato, durante a nossa curta paragem em frente à minha faculdade em Oxford, enquanto eu lutava para enfiar no banco de trás do Mini a mala feita às pressas.

É só por uma ou duas noites, respondi, sentando-me no banco do carona e ajeitando meu rabo de cavalo. Talvez três. O motor continuava ligado e meu pai ainda segurava o volante, mas o carro não andou. E as aulas que precisa dar? Eu me remexi no banco, incomodada. Antes que o senhor perceba, eu já vou ter voltado. É uma viagem de pesquisa. Na verdade, uma pessoa está pagando para ir a Amsterdão...» In Anne Fortier, A Irmandade Perdida, 2014, Editora Arqueiro, 2015, ISBN 978-858-041-543-0.

Cortesia de EArqueiro/JDACT

Anne Fortier, JDACT, Literatura,