«(…) Uma lufada de hálito fétido a engolfa e ela se esforça ao extremo para não apanhar o saché de ervas aromáticas que leva pendurado no cinto. Não estou escondendo-me, majestade, só impressionada. Ela mantém o olhar no peito dele. O seu gibão branco e preto intricadamente bordado, que de perto se nota ser incrustado de pérolas, parece mantê-lo unido, as dobras nas beiradas dando a impressão de que se ele o despisse perderia completamente a forma. Oferecemos nossas condolências pelo falecimento de seu marido, ele diz, estendendo a mão para ela beijar o anel, que está encravado na carne de seu dedo do meio. É muita bondade, majestade. Katherine ousa olhar de relance para o rosto do rei, redondo e massudo, os olhos de passas afundados no meio, e pergunta-se o que aconteceu com o homem magnífico que foi um dia. Disseram-me que cuidou bem dele. Todos conhecem a sua habilidade para cuidar de enfermos. Um homem velho precisa de cuidados. Em seguida, antes que tivesse chance de responder, ele se inclina para perto da sua orelha, próximo o suficiente para ela ouvir o chiado de sua respiração e sentir uma lufada de colônia. É bom vê-la de volta à corte. Parece apetitosa mesmo vestida de luto. Katherine sente o rubor subindo e procura uma resposta, mas só consegue murmurar algumas palavras de gratidão. E quem é esta?, ele diz com estrondo, felizmente pondo fim ao momento de intimidade. Está acenando na direção de Meg, que se abaixa fazendo uma profunda cortesia. É minha enteada, Margaret Neville, anuncia Katherine. Levante-se, garota, diz o rei. Queremos vê-la direito. Meg obedece. Katherine percebe o tremor nas suas mãos. E dê uma volta, ordena ele. Depois de Meg girar para ele como uma égua em leilão, o rei grita BU!, fazendo-a saltar para trás, aterrorizada. Coisinha nervosa, não é?, ele ri. Ela não está acostumada com a corte, majestade, Katherine responde.
Precisa de um companheiro que quebre sua resistência, ele afirma, depois pergunta a Meg: Alguém aqui a atrai? Sey-mour está por perto e Meg olha brevemente na sua direcção. Ah! Vemos que está de olho em Sey mour, exclama o rei. Um belo tipo, não acha? N-n-não, gagueja Meg. Katherine lhe dá um chute na canela. Acho que o que ela está querendo dizer é que Sey mour não é nada quando comparado a vossa majestade, intervém, a voz lisa como óleo, mal acreditando que tais coisas possam sair tão facilmente da sua boca. Mas falam dele como o homem mais bonito da corte, responde o rei. Hummm, diz Katherine, a cabeça pendendo para um lado, pensando na melhor maneira de responder. É uma questão de opinião. Alguns preferem a maturidade. O rei emite uma gargalhada ruidosa e diz: acho que vamos arranjar um casamento entre sua Margaret Neville e Thomas Sey mour. Meu cunhado com sua enteada…, soa bem. Segurando ambas pelo cotovelo, ele as dirige para uma mesa de jogos na outra ponta da sala. Katherine não consegue pensar numa maneira de desencorajar o casamento educadamente, então permanece calada. Duas cadeiras são trazidas às pressas pelos criados e o rei se senta com esforço em uma delas, fazendo sinal para Katherine se sentar na outra. Um tabuleiro de xadrez aparece magicamente do nada e o rei pede a Sey mour que disponha as peças. Katherine não ousa sequer olhar de relance na direcção dele, por medo de que a confusão de sentimentos que se contorce dentro dela chegue à superfície. Está ciente do olhar afiado de lady Lisle, ao lado da filha; quase pode ouvir os pensamentos da mulher maquinando como promover sua garota, educa-la, treiná-la, para apanhar os maiores peixes no mar. Deve estar feliz com o facto de Katherine, duas vezes viúva e com mais de trinta anos, não ter como competir com Anne no completo vigor da juventude. Se ele quer filhos vai escolher Anne Bassett ou uma menina como ela. E ele quer filhos, todos sabem. Katherine faz a sua jogada. Gambito de dama aceito, diz o rei, apanhando o peão branco e rolando-o entre os dedos gordos. Quer me atrair para o meio do tabuleiro. Ele olha para ela, os olhos encovados dardejando, a respiração chiando como se não houvesse espaço para ar dentro dele. Movimentam-se para a frente e para trás, rapidamente e em silêncio. O rei pega uma guloseima de um prato, coloca-a na boca, estala os lábios, depois apanha uma torre, movimenta-a, bloqueando a jogada de Katherine com um A-ha!. Então inclina-se e diz: vai precisar de um marido tanto quanto a sua enteada». In Elizabeth Fremantle, Xeque-mate da Rainha, 2013, Editora Paralela, Editora Schwarcz, 2016, ISBN 978-858-439-003-8.
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