Aspectos da Vida Bizantina. Povos e Línguas
«(…) Obviamente, estes eslavónios
formavam ainda um grupo distinto. No século seguinte, Anna Comnena refere-se a
uma aldeia na Bitínia localmente chamada Sagoudaous, presumivelmente por causa
da tribo Sagoudatai, atestada na Macedónia no século VII. Um pouco mais tarde,
o contingente eslavónico na Bitínia foi aumentado pelo imperador João II
Comneno, que estabeleceu perto de Nicomédia um grupo de eslavos cativos. As
aldeias sérvias ainda são mencionadas nesses locais no século XIII. Por outras
palavras, é bem possível que os eslavos da Bitínia, ou pelo menos parte deles,
tenham sido assimilados pelos Turcos Otomanos sem que nunca se tornassem gregos.
A conclusão óbvia a tirar destes e de muitos outros casos é a de que o Império
Bizantino do Período Médio não foi de modo nenhum um Estado solidamente grego.
Além dos elementos arménios e eslavos, havia muitos outros elementos
estrangeiros, tais como os Georgianos e os Valáquios dos Balcãs. A afluência
maciça de Sírios e outros cristãos orientais seguiu a expansão do Império em
direcção ao Oriente, em finais do século X; e quando, em 1018, a fronteira
imperial se estendeu mais uma vez até ao Danúbio, abrangia vastas áreas onde o
grego nunca fora falado ou se havia extinguido há muito tempo atrás. Se os
falantes de grego formavam na altura a maioria ou a minoria dos habitantes do
Império permanece uma incógnita. De um modo geral, não é fácil definir o
sentimento de solidariedade, se é que haveria algum, que unia os habitantes
multinacionais do Império. No século VI o mote Gloria Romanorum aparecia ainda, por vezes, na cunhagem de moedas imperiais, mas
não é provável que existisse muita devoção nas províncias orientais à ideia de Romanitas. Além disso,
lealdade a Roma e admiração pela sua antiga grandeza haviam sido um tema
regular da polémica pagã, enquanto a Igreja mantinha a posição de que os
cristãos eram, acima de tudo, cidadãos da Jerusalém Celestial e, ao fazê-lo,
provavelmente terá enfraquecido a coesão do Império. Para não falar do facto de
não ter havido exemplos de lealdade ao Estado na história bizantina, com
efeito, verifica-se completamente o contrário. Será suficiente lembrar o
desespero da população de Nísibis quando a sua cidade fora cedida aos Persas em
363, a demonstração de sentimentos pró-romanos em Edessa em 449, no contexto de
lutas sectárias, e uma série de casos semelhantes. Porém, devemo-nos de seguida
recordar que na altura a única alternativa a viver sob a lei romana era viver
sob a lei persa (o que era, normalmente, pior). As pessoas esmagadas pelo peso
dos impostos sentiam-se muitas vezes tentadas a desertar para o inimigo, e até
a juntar-se a alguma tribo bárbara onde não se cobrasse impostos. Todavia, isso
não era uma opção para aqueles que desfrutavam de um bom nível de vida. Um
sentimento de Romanitas
dificilmente era um factor decisivo. Ao que se pode julgar, os principais
elos de solidariedade foram dois: regional e religioso. As pessoas
identificavam-se com as suas aldeias, as suas cidades e as suas províncias
muito mais do que com o Império. Quando alguém estava longe de casa, não passaria
de um estranho, sendo muitas vezes tratado como suspeito. Um monge da Ásia
Menor Ocidental que se juntou a um mosteiro no Ponto foi denegrido e maltratado
por todos como se fosse um estranho. O corolário para a solidariedade regional
era a hostilidade regional. Encontramos muitos testemunhos depreciativos em
relação aos Sírios astutos que falavam com um sotaque cerrado, aos grosseiros
Paflagónios, os pedintes de Creta. Os Alexandrinos incitavam à ridicularização
de Constantinopla. Os Arménios eram quase todos descritos em termos do seu
carácter abusador. Até os demónios, tinham fortes sentimentos de afiliação
local e não queriam associar-se aos seus companheiros das províncias vizinhas».
In
Cyril Mango, Bizâncio, O Império da Nova Roma, 1980, Edições 70, 2008, ISBN
978-972-441-492-8.
Cortesia de E70/JDACT
JDACT, Cyril Mango, História, Cultura e Conhecimento,