«(…) Uma mão branca se esticou e tocou suavemente no braço de Audrianna. Visitou algum homem, Audrianna? Depois dessa, Audrianna teve de olhar para ela. Não foi só a pergunta que a surpreendeu, mas também a forma singela como Daphne a fizera. Falara como se fosse normal Audrianna ter passado a noite anterior com um homem. E, para ser honesta, ela tinha mesmo. Sentiu o sangue ferver quando se deu conta disso. Não é que eu queira bisbilhotar sua vida ou o estado de sua virtude, retomou Daphne, fingindo não ter reparado no rosto enrubescido nem no abatimento. Na verdade, eu me pergunto se devia dar tanta importância à virtude, neste sentido, como se dá. É só que... É só que, o quê? Sei que ainda está se recuperando do que se passou com o Roger e que ainda não superou a desilusão, prosseguiu docemente. Se visitou algum homem, isso não me preocupa tanto quanto o motivo de tê-lo feito. Espero que a mágoa não a tenha deixado imprudente. Não sentirá nem felicidade nem prazer se estiver ligada a alguém por ressentimento, decepção ou rebeldia. Pode ter certeza de que não embarquei em nenhuma ligação, por nenhuma razão. Sou grata pelo meu lugar na sua casa, querida prima. Mais grata do que pode imaginar. Estive ausente esses dois dias por um assunto pessoal, e não um assunto do coração. Por favor, vamos acabar com a explicação agora mesmo.
Daphne
baixou a cabeça, aceitando e recuando. Não se mostrava insultada. Ainda assim,
Audrianna receou ter ofendido a prima. Normalmente tinham opiniões parecidas e
aquela conversa fora o mais perto que já chegaram de um desentendimento. Não
teria se importado em confiar a história a Daphne, mas naquela noite não sabia
ao certo como explicar, nem o que dizer. Precisava de um longo descanso antes
de se dedicar a estrincar os acontecimentos e implicações da desastrosa viagem.
Levantou-se e levou o prato para a pia. Daphne continuava sentada, numa
serenidade pálida e encantadora. Audrianna inclinou-se e abraçou a prima,
sentindo-a calma como sempre, o que a reconfortou. Vou para o meu quarto.
Amanhã de manhã nos vemos. Agradeço sua preocupação. Peço desculpa por ter
causado isso. Daphne virou-se e a beijou. Durma bem, minha querida. Assim que
Audrianna chegou à porta, Daphne falou novamente: ah! Tenho outra coisa para
lhe falar, senão vou esquecer. Audrianna, a pistola que estava no alto do
armário da biblioteca desapareceu. Se encontrá-la, por favor, me avise
imediatamente.
Sebastian
fez uma careta de dor ao vestir o sobretudo azul que o criado segurava. O braço
esquerdo recusava o movimento. Um cirurgião chegara de madrugada para aplicar
unguentos e um novo curativo. Anunciara que o ferimento parecia preservado.
Aparentemente, a pior consequência seria aquela maldita rigidez do braço
inteiro durante mais alguns dias. Consultou o relógio de bolso e se certificou
de que eram dez horas, seguindo para o andar de baixo, para os aposentos do
irmão, Morgan. Não era só porque estava na cidade de manhã que precisava
visitá-lo, mas ainda assim o fazia. Sabia que o irmão desejava passar aquela
hora com ele, a
companhia silenciosa que se faziam enquanto bebiam café e liam os jornais e a
correspondência. As discussões sobre as histórias e as estratégias que ocupavam
o governo. O interregno de normalidade, num dia em que tantas coisas serviriam
para lembrar que era de se esperar muito pouco. O dr. Fenwood saiu para a sala de estar ao mesmo tempo
em que Sebastian entrava. Fenwood não era realmente médico, mas sim um criado
de força significativa e circunspecção adequada. Morgan tratara-o por dr. Fenwood uma
primeira vez por brincadeira, mas nunca mais parou». In Madeline Hunter, Deslumbrante,
Edições ASA, 2013, ISBN 978-989-232-372-5.
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JDACT, Madeline Hunter, Escrita, Saber,