Aspectos da Vida Bizantina. Povos e Línguas
«(…) Por muito elucidativa que
possa ser em determinados aspectos, uma visão demasiado abrangente não ajudará
o historiador bizantino a resolver os problemas específicos com os quais se
confronta. Terá sido a helenização, por exemplo, um objectivo consciencioso do
governo imperial, se foi, como se implementou e com que sucesso? E se teve
sucesso na Idade Média, porque não o terá atingido na Antiguidade, sob as
condições de uma vida mais estável e uma civilização superior? Quando
consideramos as nossas fontes precárias, compreendemos que a formulação das
anteriores perguntas não se adapta à forma de pensar bizantina. Primeiro que tudo,
a própria designação grego, que usamos livremente hoje em dia para
descrever os bizantinos que não pertenciam a nenhum grupo alheio, está
inteiramente ausente na literatura da época. Um habitante do Sul da Grécia, da
Tessália, ter-se-ia se referido a si próprio como um Helladikos (um nome já comum no século VI d.C.), mas
tanto podia ter sido eslavo como grego. O mesmo se pode dizer sobre
regiões cujos habitantes se chamavam pelos nomes das suas respectivas
províncias, por exemplo, Paflagónios ou Thrakésians (segundo o tema Thrakésian na Ásia Menor
Ocidental). Por isso, visto que não existia uma noção de grego, é difícil explicar como
poderá ter existido o conceito de helenização. O único passo que se conhece, e
que o poderá explicar, refere-se ao modo como o imperador Basílio I converteu
as tribos eslavónicas da sua antiga religião e, dando-lhes uma forma grega (graikósas), tornou-os
governantes de acordo com o costume romano, honrou-os com o baptismo e
libertou-os da opressão dos seus próprios governantes. Contudo, há muito tempo
que se vem a discutir o significado que o termo helenizado poderá ter no
presente contexto. O que ouvimos, muitas vezes, é que se relaciona com a
conversão de vários povos ao cristianismo ortodoxo e com a implantação de uma
organização eclesiástica, tal como
atesta a Crónica de Monemvasia.
que descreve a actividade do imperador Nicéforo I no Peleponeso: ele
construiu de novo a
cidade de Lacedemónia e implantou uma população diversificada: nomadamente, os
caíres, os Thrakésians,
os Arménios e outros, reunidos de vários sítios e cidades, e transformou-a num bispado. Decerto, nem os
cafres (possivelmente um termo genérico para referir os convertidos do Islão);
nem os Arménios contribuíram para a helenização da Lacónia. O objectivo do
imperador era simplesmente reunir uma população cristã e estabelecer um
bispado. Não há qualquer dúvida de que a evangelização dos povos não cristãos
instalados no Império foi levada a cabo em grego. Isto pode causar alguma
surpresa no caso dos Eslavos, pois o alfabeto eslavónico foi ele mesmo
inventado por um bizantino, São Cirilo, provavelmente na década de 860. No
entanto, a sua invenção e a consequente tradução dos textos cristãos
fundamentais destinavam-se a uma região eslava bem distante, a Morávia; e foi
inteiramente por uma questão de sorte que a missão cirilo-metodiana, após o seu
fracasso inicial, encontrara um solo fértil num país em que tal não seria
suposto acontecer, nomeadamente, o reino búlgaro. Tanto quanto se sabe, nenhuma
tentativa foi alguma vez realizada para evangelizar os Eslavos na Grécia na sua
própria língua, sendo que o uso litúrgico do grego foi imposto na Bulgária
conquistada depois de 1018. Como é evidente, esta situação deverá ter
contribuído para a difusão da língua grega. Mas terá havido alguma política deliberada
também nesse sentido? Não será mais provável que a ausência de um clero
linguisticamente qualificado, a relativa inacessibilidade das Escrituras
eslavónicas, e a natureza heterogénea da população tenham conjuntamente levado
a fazer uso do grego, como sendo a opção mais fácil? Por mais que a imposição
litúrgica do grego se tenha provado eficaz, temos de admitir que a assimilação
dos enclaves bárbaros foi um processo muito lento. No Peloponeso a presença dos
Eslavos pagãos a uma curta distância do Sul de Esparta é atestada nos finais do
século X, aproximadamente duzentos anos depois das primeiras tentativas para
provocar a sua conversão. Igualmente eficaz terá sido o caso dos Eslavos na
Bitínia. Vimos que estes foram transplantados em número considerável no final
do século VII e até meados do século VIII. Cerca de duzentos anos mais tarde,
os exércitos bizantinos que reuniram esforços para conquistar Creta em 949,
incluíam um contingente de eslavónios que estavam instalados em Opsikion (sendo
este o nome administrativo de uma parte da Bitínia) situado abaixo dos seus
comandantes». In Cyril Mango, Bizâncio, O Império da Nova Roma, 1980, Edições 70,
2008, ISBN 978-972-441-492-8.
Cortesia de E70/JDACT
JDACT, Cyril Mango, História, Cultura e Conhecimento,