«As Memórias Secretas de dona Carlota Joaquina de José Presas constituem um dos livros mais pitorescos e mais ricamente informativos que se escreveram sobre o período regencial do Brasil. Essa obra, verdadeira raridade, que poucas bibliotecas actualmente possuem, nas suas duas únicas edições, uma tirada em Bordeaux, em 1830, na casa impressora Carlos Lawalle & Sobrinho, e outra em 1858, na Imprenta El Comércio, de Montevidéu, é citada unicamente por todos os historiadores que se ocuparam daquele importante período da nossa história ou da intriga desenvolvida pela princesa do Brasil para se apossar da coroa de rainha do Prata, em detrimento dos interesses de seu próprio irmão, o rei Fernando VII, da Espanha. Para alguns historiadores, como, por exemplo, Oliveira Lima, essa obra deve ser examinada sob prudente reserva. O depoimento de Presas é apaixonado e injusto, sem dúvida, em muitos passos. Isso, porém, não invalida a larga soma de informações que o livro possui sobre uma série de factos e episódios que interessam à história. Para outros, porém, o testemunho de Presas é digno de fé, merecedor de crédito. A julgar pela opinião da própria Carlota Joaquina, seu secretário deve merecer inteira fé, diz o sr. Tobias Monteiro, na sua nota à sua História do Império (Elaboração da Independência, procurando dar forças a essa opinião com a transcrição da carta em que a princesa, recomendando-o a Fernando VII, dizia que era ele desprovido de toda a mentira e lisonja. Não pode, porém, prevalecer esse julgamento de dona Carlota sobre a atitude futura de José Presas. A princesa o teria, com toda a certeza, reformado totalmente... Preferimos, neste passo, a opinião de Oliveira Lima, que muito aproveitou, na sua obra D. João VI no Brasil, os subsídios de Presas. Podemos dizer, sem nenhum erro, que o retrato moral e físico da princesa, nessa obra se baseia quase que exclusivamente nos apontamentos das Memórias secretas de Dona Carlota Joaquina, também utilizados, em maior ou menor escala, em Duas grandes intrigas, de Alfredo Varela; A Corte de Portugal no Brasil, de Luís Norton; Carlota Joaquina, de César Silva; A Corte no Brasil, de A. C. d’Araújo Guimarães; Carlota Joaquina, de Assis Cintra; e D. João VI no Brasil, livro de Luís Edmundo que está sendo publicado fraccionadamente na imprensa.
Quem era esse singular
personagem, que surgiu inesperadamente no Rio de Janeiro e se ligou, de tal
forma, à história do período regencial no Brasil? São poucos os vestígios que
deixou José Presas de si mesmo nos arquivos e bibliotecas. Os dicionários
biográficos nada dizem sobre a sua existência, seu nascimento, sua origem, suas
obras, sua morte. Omissão completa e inexplicável. Pouco conseguimos apurar
sobre esse misterioso espanhol, hábil intrigante, arguto observador dos
acontecimentos políticos, homem de muito engenho e habilidade, capaz de encher
de sonhos vãos a cabeça da infanta Carlota, servi-la, enquanto possível, como
secretário e homem de confiança e, em seguida, ainda obter, por sua real mercê,
uma boa sinecura na Espanha, além da promessa de uma gorda pensão... O não pagamento
dessa pensão foi a origem deste curioso livro, cheio de encarecimento dos
serviços prestados e de ameaças de escândalo, caso não fosse o autor pago dos
atrasados de dezassete anos de completo olvido...
Do pouco que se sabe ao seu
respeito, consta o seu lugar de origem, a Catalunha. Meninote, ainda, José
Presas fora para Buenos Aires, onde se educou sob os cuidados de seu tio e
protetor, dom Francisco Sálvio Marull, que o internou, por sua conta, no Real
Colégio de São Carlos. Terminado o curso de humanidades, Presas cursou a
Universidade de Charcas, onde obteve o título de licenciado em leis.
Estabeleceu-se, então, por conta própria, em Buenos Aires, com banca de
advogado, fazendo-se chamar, de então por diante, dr. Presas. Quando a
Inglaterra, tomando represálias contra a atitude política da Espanha em face de
Napoleão, fez invadir Buenos Aires, Presas se declarou pelo partido inglês,
convencido de que a dominação britânica era um facto consumado. Ao verificar-se
a reconquista de Buenos Aires, com Santiago Liniers à frente, Presas foi preso
como traidor, conseguindo, no entanto, fugir para o Rio de Janeiro. Nas Memórias secretas de Dona Carlota Joaquina
o ardiloso catalão omite, por completo, esses interessantes detalhes...
A maneira pela qual chegou ao Rio
e se colocou ao serviço da princesa, ele próprio no-la relata nesse trabalho.
J. M. Rubio, na sua obra La infanta
Carlota Joaquina y la politica de España en América, dá-nos algumas notas
sobre as actividades de Presas: sua actuação como secretário de dona Carlota
mereceu sempre lisonjas por parte desta, que apreciava e reconhecia nele as
qualidades necessárias para o desempenho da sua difícil missão». In José
Presas, Memórias Secretas de Dona Carlota Joaquina, Edição do Senado Federal,
volume 130, Brasília, 2013, ISBN 978-857-018-271-5.
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