Castelo de Toro, Castela
«(…)
Foi um dia soalheiro que a acolheu .a chegada a casa. Dom Juan Manuel ordenou que
se parassem os cavalos e tudo ficou silencioso. Apenas se ouviam algum relinchar
desgarrado e os poucos sons da terra, o
chilreio dos pássaros, como Constança se recordava da sua infância, nos finais de
tarde abrasadores de Peñafiel.
Ela colou o olhar ao casteio, ao
longe, que se impunha majestosamente na aridez da meseta, muito acima do casario
de cor ocre. Depois do rosto de seu pai, fora aquela imagem que lhe trouxera a força
nos anos de reclusão. Peñafiel era um conjunto soberbo. Erguia-se no alto de um
promontório, espraiando-se por todo o comprimento do monte, com três dezenas de
torres. Ao centro a imensa torre quadrada de três pisos onde residia a família.
O estandarte dos Manuel ondulava ligeiramente com a aragem da tarde.
O castelo era um dos orgulhos de dom
Juan, que se vinha dedicando havia anos à sua recuperação. As extensas muralhas,
que lhe conferiam a forma de uma embarcação comprida e estreita a alargar no centro,
estavam já inteiramente reconstruídas e albergavam o exército do senhor da terra.
A imponente cidadela tinha vida própria, como uma localidade dentro de outra.
Contemplar aquele loca1, centro das suas
raízes, afastava Constança do ressentimento. Entregou-se à visão sumptuosa e familiar
e deixou as mãos tombarem sobre a garupa do cavalo. Voltou inteiramente ali, ao
refúgio da curta infância despreocupada. Dom Juan apercebeu-se da emoção da filha,
que secava rapidamente as lágrimas com as costas da mão, e fez aproximar o seu cavalo
do dela. Desejei tanto este reencontro, minha filha, disse pausadamente, esforçando-se
para que o tom saísse leve, não lhe fazendo reviver os fantasmas do passado.
Ela crispou os lábios e manteve o olhar no castelo. Acenou em concordância,
incapaz de falar.
Dom Juan gritou uma ordem e toda a
comitiva recomeçou a marcha, com vagar. O rio Duratán estava tal e qual Constança
se recordava; manso, seguia o seu leito com rumo certo, reunindo quase toda a verdura
daquela terra seca e áspera, com árvores a convidar ao repouso debaixo das sombras
generosas.
A palavra correra depressa entre o
povo e começavam a sair dos casebres os homens e as mulheres que tinham visto Constança
crescer. Saudavam-na com silêncio respeitoso e ancestral, mas de sorrisos abertos.
Ela correspondia, sentindo as faces a estoirar de regozijo. A subida até ao
castelo era íngreme e lenta e requeria controlo dos cavalos. À chegada, dom Juan
auxiliou a filha a desmontar, devolvendo-a ao solo dos antepassados.
Bem-vinda, Constança, disse, com um
sorriso galante. Obrigada, meu pai. Estou em casa.
Violante ajeitou-lhe a frente do
vestido amassado pela viagem. A porta de acesso ao castelo, flanqueada por dois
torreões redondos, estava aberta e pronta para a receber. Pela escada acima
posicionava-se uma guarda de honra, como se a recém-chegada fosse uma visita real».
In
Isabel Machado, Constança, A Princesa traída por Pedro e Inês, 2015, A Esfera
dos Livros, 2015, ISBN 978-989-626-718-6-
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JDACT, Isabel Machado, Constança, História, Literatura,