Factos e Mitos. Destino
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Demonstrou-se, mediante várias experiências, que fazendo variar o meio
endocrínico podia-se agir sobre a determinação do sexo; outras experiências, de
enxertia e de castração, realizadas em animais adultos, conduziram à teoria
moderna da sexualidade. Nos machos e fêmeas dos vertebrados o soma é idêntico,
podendo-se considerá-lo um elemento neutro; é a acção da gonádica que lhe dá as
características sexuais. Certos hormónios secretados operam como estimulantes e
outros como inibidores; o próprio tractus genital é de natureza somática e a
embriologia mostra que ele se determina sob a influência dos hormónios,
partindo de esboços bissexuais. Há intersexualidade quando o equilíbrio
hormonal não foi satisfeito e nenhuma das duas potencialidades sexuais se
realizou nitidamente.
Igualmente distribuídos na
espécie, evoluídos de maneira análoga a partir de raízes idênticas, os
organismos masculinos e femininos, uma vez terminada sua formação, parecem
profundamente simétricos. Ambos se caracterizam pela presença de glândulas produtoras
de gametas, ovários ou testículos, sendo os processos de espermatogénese e
ovogénese, já o vimos, análogos; essas glândulas depositam sua secreção num
canal mais ou menos complexo segundo a hierarquia das espécies. A fêmea deixa
sair o ovo directamente pelo oviduto ou o retém na cloaca ou em um útero
diferençado antes de expulsá-lo; o macho lança o sêmen para fora, ou é munido
de um órgão copulador que lhe permite introduzi-lo na fêmea. Estaticamente,
macho e fêmea, aparecem, portanto, como dois tipos complementares. É preciso considera-los
de um ponto de vista funcional para apreender-lhes a singularidade.
É muito difícil dar uma descrição
geralmente válida da noção de fêmea; defini-la como condutora de óvulos e o
macho como condutor de espermatozoides é muito insuficiente, porquanto a relação
do organismo com as gonádica é extremamente variável. Inversamente, a
diferenciação dos gametas não afecta directamente o conjunto do organismo.
Pretendeu-se, por vezes, que o óvulo, sendo maior, consumia mais força viva do
que o espermatozoide, mas este é secretado em quantidade infinitamente mais
considerável, de modo que, nos dois sexos, o desgaste se equilibra. Quiseram
ver na espermatogénese um exemplo de prodigalidade e na ovulação um modelo de
economia, mas há também neste fenómeno uma absurda profusão: a imensa maioria dos
óvulos nunca é fecundada. Como quer que seja, as gonádicas e os gametas não nos
oferecem um microcosmo de todo o organismo. É este que se faz necessário
estudar directamente». In Simone Beauvoir, O Segundo Sexo, volume
1, 1949, Quetzal Editores, colecção Serpente Emplomada, 2015, ISBN
978-989-722-193-4.
Cortesia de QuetzalE/JDACT
JDACT, Simone Beauvoir, Sexo, A Arte, Literatura,