VII
«(…) Depois de algumas paragens para
breves descansos, as bestas caminham devagar, ao ritmo da natureza. Ouvimos cantar
os pássaros sobre um leve rumor de fontes, depois nas terras mais altas de quase
duzentos metros, o passar da brisa como voz amena a soprar aos ouvidos. De novo
mais abaixo o refrão dos campos do vale do Ebro já tratados, a saudarem o sol à
vista da linha fortificada da antiga Caesar Augusta. Foi ela a capital do limite
superior do Andaluz, depois o primeiro reino independente de Taifas, antes de ser
a nossa Zaragoza abençoada.
Atravessamos a ponte de pedra, até
à praça da catedral de tijolo e revestimento cerâmico, La Seo, vai meio o dia.
Tão próxima de casa dona Isabel recusa-se a parar, agora. Então viramos à direita,
até à via César Augusto, para tomar o caminho do paço real de Aljaferia. Já o tinha
avistado muitas vezes, uma delas quando meu tio Ángel me trouxe dos montes, órfão
recente, a ver Soledad, ao serviço da rainha Constança, mãe de dona Isabel. Nunca
antes me parecera tão imponente. É uma magnífica estrutura, a brilhar na margem
esquerda do rio, seus grandes torreões encimados por ameias, como coroas reais.
Fixo a Torre do Trovador com olhos cerrados, já um atalaia grita para dentro para
baixarem a ponte levadiça, no lado oriental.
O cortejo passa o fosso, direito à
porta sob um arco em ferradura. À medida que vão dispersando os cavaleiros apeados,
a família real com sua comitiva recebe as boas vindas dos servidores do paço, dona
Isabel hoje mais acarinhada. Pajens conduzem os nobres ao recinto onde se vai construir
a igreja de San Martin, os criados acomodam bestas e serventes nas cocheiras e
anexos. Dali alguns de nós alcançam o outro pátio interior, chamado de dona Isabel,
com pórticos rasgados nos lados mais baixos da planta. A direita ficam os
cómodos de criados e religiosos menores, talvez o meu próprio quarto partilhado
com alguém que ainda desconheço.-
Antes de estender o corpo numa enxerga,
meus olhos são atraídos para a formosura de um nicho em ábside, um recanto da
antiga mesquita muçulmana virado para Meca, donde era costume chamar os fiéis do
palácio à oração. Bela, a decoração elaborada com capitéis de alabastro. Mantê-la
tão bem conservada até agora, só confirma a tolerância religiosa dos reis de
Aragão, desde dom Jaime I. Não fora a família real, acompanhada dos convidados
mais importantes, começar a subir a bela escadaria para ocidente, ali ficaria perdido
em recantos do passado, poderosas alavancas de futuro». In Maria Helena Ventura, Onde Vais
Isabel?, 2008, Edições Saída de Emergência, 2008, ISBN 978-989-637-034-3.
Cortesia de ESEmergência/JDACT
JDACT, Maria Helena Ventura, Literatura, Rainha Santa Isabel, História,.