A Intriga de Compostela 1140-1142. Arcos de Valdevez, Março de 1141
«(…) Apesar deste alvoroço em Arcos de Valdevez, não chegara o
momento certo de a intriga de Compostela tomar conta de Chamoa. A
lealdade apaixonada de uma mulher só se quebra se ela se sentir traída, o que
ainda não era o caso. Pouco depois, para evitar mencionar o que conversara com
o imperador de Leão, Chamoa proclamou que devíamos saber por onde andavam a
princesa Zaida e o almocreve Mem, pois Afonso
VII iria atacar Córdova em breve e certamente que a vida dos seus queridos
amigos poderia correr perigo. Mais uma vez, meus queridos filhos e netos, em
Arcos de Valdevez, a minha cunhada adiou a desconfortável revelação da intriga
de Compostela e nada me disse, preferindo desviar-nos a atenção para o Sul,
para o mundo muçulmano, que andava, também ele, em violento turbilhão.
Silves,
Junho de 1141
Naquela tarde de Junho, o almocreve Mem pediu para ser
recebido pela princesa Zaida, que agora vivia no palácio de Silves e ia
desposar Ibn Qasi, o sufi que reinava no Al-Gharb.
Amiga a
casar, tempo de abalar.
Desde que a Primavera nascera e milhares de flores tinham
transformado Silves num caleidoscópio maravilhoso de cores, tornara-se evidente
para Mem que aquele príncipe sufi cuja barba
era apenas uma fina linha junto ao queixo e que usava sempre sandálias para se
sentir leve, estava possuído por uma fortíssima paixão por Zaida. Lisonjeada, a
princesa entregara-se, sentindo que finalmente tinha a seu lado um amável e
poderoso chefe.
Princesa
sem dono, procura um trono.
Enquanto existira uma ínfima hipótese de convencer Afonso
Henriques a casar-se com ela, Zaida tudo tentara para o seduzir, admitindo
mesmo converter-se ao cristianismo. Mas, depois de rejeitada e mal se vira
longe, forçara o coração a substituir o príncipe de Portugal por Ibn Qasi, o
candidato alternativo disponível.
Mulher com talento, engrandece
com o casamento.
Órfã
de pai e mãe, Zaida era uma desconhecida em Córdova, pois estivera prisioneira
dos cristãos mais de duas décadas. O sangue real que lhe corria nas veias, era
neta do último califa cordovês, Hixam III, de nada servia no presente à bonita
e voluptuosa princesa, se ela não tivesse a protecção de um marido, a riqueza
de uma família nobre da Andaluzia onde se amparar. O generoso corpo, os longos
cabelos negros, a fina inteligência e a sua imensa cultura nada obteriam sem o
poder de alguém que os potenciasse.
Esposa de emir, poderá
progredir.
Contudo
e para Mem, a união amorosa entre Zaida e Ibn Qasi representava o fim de uma
amizade que incluíra as brincadeiras tórridas na cama. O bonito e loiro
almocreve sempre soubera que, no dia em que ela encontrasse um marido à altura
das suas vastas ambições, ele teria de se afastar. Zaida era uma Benu Ummeya,
uma das derradeiras descendentes da família dos antigos califas de Córdova, e
aspirava ao regresso ao trono andaluz. E agora Ibn Qasi podia carregá-la até lá».
In
Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Os Conquistadores de Lisboa, A Intriga
de Compostela, Oficina do Livro, Casa das Letras, 2017, ISBN 978-989-741-713-9.
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