sábado, 23 de abril de 2011

A Bela Poesia: Camilo Pessanha. «Tens na crença um farol. Nem o procuras, mas bem o vês luzir sobre o infinito!...E o homem que pensou, - foi um precito, buscando a luz em vão - sempre às escuras»

Cortesia de atelie
Cortesia de superdo

Soneto do Gelo
Ingénuo sonhador - as crenças d'oiro
Não as vás derruir... Deixa o destino
Levar-te no teu braço de bambino,
Porque podes perder esse tesoiro.

Tens na crença um farol. Nem o procuras,
Mas bem o vês luzir sobre o infinito!...
E o homem que pensou, - foi um precito,
Buscando a luz em vão - sempre às escuras.

Eu mesmo  quero a fé, e não a tenho...
- Um resto de batel - quisera um lenho,
Para não afundar, na treva imensa,

O Deus, o mesmo Deus que te fez crente...
Nem saibas que esse Deus omnipotente
Foi quem arrebatou a minha crença.
Camilo Pessanha

A Miragem
Parei a cogitar. No meu cabelo
Torvelinhava um vento de oração...
- Qual a acha que ardeu, feita carvão,
- A água que esfriou, tornada gelo.

Ajoelhei. O meu peito era um vulcão.
No céu lacrimejava o Sete-Estrelo...
E o seu fino perfil pude inda vê-lo,
Num halo de pudor e devoção.

Mas no meu coração, ardente lava,
Uma nuvem errática poisava,
E que ao longe obumbrou saudosas fráguas;

Hóstia santa de luz, desfeita em vhuva,
Qual beguina de Amor, de Deus viúva,
Num rosário a rezar, vertendo águas.
Camilo Pessanha

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