Introdução à Leitura da DÉCADA QUARTA de Diogo do Couto
«Da história do que se chamou a Ásia portuguesa o monumento fundamental que possuímos são as Décadas, perfeitas ou imperfeitas, cuja responsabilidade assumiram sucessivamente João de Barros, Diogo do Couto e António Bocarro. A imperfeição é manifesta no caso de Diogo do Couto, que deveria ter-nos deixado nove Décadas, da quarta à décima-segunda inclusivamente. Destas, chegaram-nos umas completas, outras em epítome; doutra chegou-nos apenas metade; outra deu-se por perdida; de algumas conhecem-se diferentes versões; de nenhuma tinha sido tentado, até há poucos anos, o estabelecimento ou restabelecimento do texto fidedigno.
A presente edição geral procura, mediante o regresso às fontes, impressas ou manuscritas, e o cotejo de testemunhos, quando há vários, oferecer o melhor texto possível de todas as Décadas de Couto. Começa pela quarta, que é a que corresponde aos mais recuados anos que o autor pôs em crónica, e que é também a sua primeira obra publicada.
Antes da obra, o autor. O próprio Couto afirma que invernou em Diu em 1560. Não se conhece a data exacta da sua chegada à Índia, mas, em qualquer caso, pouco antes terá sido. A Década 4 saiu em 1602.
Começaremos por dizer a nossa visão, num relance, do que foram quarenta anos da vida deste homem, na Índia, salvo um salto a Lisboa, e do seu tempo em Goa. A que se poderiam chamar as primícias difíceis e os labores aturados de um destino imprevisível de cronista.
Tendo, pois, invernado em Diu em 1560, levou Diogo do Couto mais ou menos o lapso de tempo de uma década, a ganhar honra na Índia. Muitos passos disseminados na sua obra permitem reconstituir o que foram o seu baptismo de fogo, e as acções em terra e mar, em que deu provas de soldado, rapidamente prático naquelas andanças e matanças.
Mas este soldado tinha habilitações literárias. Reflectia nas sem-razões que prejudicavam o Estado. Uma delas era que nele punham e dispunham, e até às vezes o governavam, fidalgos dos quatro costados, mas sem experiência suficiente daquelas partes, e às vezes sem experiência nenhuma. No caso de governadores e vice-reis, quando começavam a entender da Índia, é que os mandavam embora.
Cortesia de topatudo
Tal sentimento está na origem da mais antiga obra de Couto, que nos chegou o Diálogo do Soldado prático português. Esta passa erradamente pela primeira versão da outra, posterior de uns bons quarenta anos, que é chamada o Diálogo do Soldado prático, ou apenas O Soldado prático. Águedo de Oliveira foi quem melhor viu a irredutível alteridade e mesmo a oposição entre as duas. Na mais antiga dialogam duas personagens, e na mais moderna três, e aquela é uma obra de esperanças, e esta de desengano. Distingui-las-emos especificando o primeiro Soldado prático e o segundo Soldado prático. Aquele terá sido composto por volta de 1565-1570. E o que é certo é que se apresenta como o fruto literário da primeira fase da vida do autor na Índia, digamos do seu longo serviço militar. Dialogando com um vice-rei, que acaba de ser nomeado, pretende o soldado fazê-lo beneficiar da sua experiência. E entende Couto, que alardeia assim a sua competência nos assuntos da Ásia, que ela merece ser reconhecida e aproveitada, com vantagem para a coroa e para o Estado, e proveito para ele. Infelizmente parece impossível averiguar qual tenham sido a sorte e o efeito, ao tempo, deste manuscrito, cujo original Severim pretende que foi roubado». In Diogo do Couto, Década Quarta da Ásia, volume I, coordenação de M. Augusta Lima Cruz, Fundação Oriente 1999, ISBN 972-27-0876-7.
Cortesia da Fundação Oriente/JDACT