segunda-feira, 18 de abril de 2011

Infanta D. Maria de Portugal. As suas Damas: «Contava então trinta anos, idade perigosa para a mulher meridional, segundo o dizer do povo. Mas o caso era excepcional. Chegada aparentemente ao termo de seus desejos, às culminâncias que outras infantas de Portugal haviam atingido antes dela...»

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«Volto ao retrato de Madrid, que também é obra de uma notabilidade artística e respira as mesmas virtudes da Infanta, conquanto lhe falte a franca alacridade que emana das reminiscência pagãs do pintor e do humanista filheleno.
Antonio Moro (Moor), um dos melhores e mais fecundos retratistas do século (1512-88), rival de Holbein e Ticiano, chegou à peninsula cerca de 1550, chamado por Carlos V, ou mandado de Flandres por sua irmã, precisamente quando o primogénito e herdeiro, viúvo desde 1545 de outra D. Maria de Portugal, filha de D. João III, tratava de um novo casamento, visando a nossa Infanta.
Moro repartiu então o seu tempo entre Madrid e Lisboa, pintando os soberanos e magnates das duas cortes. Cá executou, entre outros, dois magnificos retratos dos Reis, os do Príncipe Real e Infante D. Luiz; lá o da filha de Carlos V, a imperatriz D. Maria, e a princesa D. Joanna, noiva do herdeiro da coroa portuguesa. Quem pode duvidar que pintasse em Portugal a filha de D. Manuel, escolhida para noiva de D. Felipe? e que não só a taboinha de Hollanda mas também um quadro em tamanho natural fosse mandado a Castella?

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D. Maria contava então trinta anos, idade perigosa para a mulher meridional, segundo o dizer do povo. Mas o caso era excepcional. Chegada aparentemente ao termo de seus desejos, às culminâncias que outras infantas de Portugal haviam atingido antes dela (D.Maria só de 1543 a 1545, D. Isabel de 1526 a 1538), oficialmente desposada ao futuro senhor do imenso império hispânico, a princesa fulgurava como nunca dantes, em toda a plenitude das suas faculdades, em todo o esplendor da sua gentileza majestática, acariciando a fugidía esperança de ver afinal acabadas as intrigas intermináveis e deprimentes de que fora alvo. Ainda assim, António Moro não pôde varrer completamente as sombras de uma dolorosa meditação daquela testa alta, espaçosa e geralmente plácida. É que entristecida por repetidas decepções, a filha de D. Manuel mal ousava dar crédito às mais solenes promessas.

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Como símbolo de mágoas fôra envolvendo o rosto gracioso, de feições tão regulares e puras, e parte do formoso cabelo castanho-claro ou loiro-escuro que o emoldura, num véu ténue que desce ao peito. A mão direita, de afilados dedos aristocráticos, segura uma pérola que lhe serve de firmal. Uma lágrima reprimida? Talvez. Todavia o pintor viu e reproduziu apenas uns olhos azuis muito limpidos, com expressão serena e franca, suavemente perscrutadora, nos quais se reflecte uma inteligência lúcida, altiva rectidão, e principalmente um coração valente. Aos lábios finos, cerrados por inviolável sigílo, e ao terço inferior da cabeça, não falta energia.
Essa boca tão discreta poderia ter contado toda a agitadíssima historia do reinado de D. João III Da sua prudente resignação dependia a paz da casa real. Mas como o pintor, a nação viu nela apenas  a mulher recatada e submissa, forte por tais virtudes, pronta a todos os sacrifícios, fecunda em obras boas. Poucos adivinhavam lutas e angústias debaixo daquelas aparências de sosiego e grandezza que herdara do pai, sem nunca assumir a exagerada sobranceria que tornou mal vista a sua meia-irmã, D. Beatriz de Sabóia». In Carolina Micaelis de Vasconcelos, A Infanta D. Maria de Portugal e as suas Damas, edição fac-similada, Biblioteca Nacional, Lisboa, 1994, ISBN 972-565-198-7.

Cortesia da Biblioteca Nacional/JDACT