terça-feira, 4 de outubro de 2011

Evocação dos 150 anos da visita régia de D. Pedro V a Castelo de Vide. Amigos de Castelo de Vide. «Esperado à Porta da Aramenha, onde entrou, o rei relanceando a vista para a vila e cortejo, que o aguardava, exclamou surpreendido: “Mas isto tem o aspecto de uma cidade”!...»

Após ter recebido o amável convite de estar presente na conferência (no pf dia 7 de Outubro) integrada na evocação dos 150 anos da visita de D. Pedro V a Castelo de Vide, recorri a uns dos livros que “residem” na minha mesa de cabeceira, César Videira. Será orador o amigo António Ventura, professor catedrático.

Cortesia de flunl

«Que eu saiba, nenhuma outra visita régia houve em Castelo de Vide, além da de D. Pedro V, realizada em 7 de Outubro de 1861. É dos nossos dias o fausto acontecimento, para que não esteja ainda na lembrança de muitos. Tão grata foi ela que a terra, denominada por ele a Sintra do Alentejo, lhe perpetuou a memória no mármore, levantando-lhe uma estátua após a sua morte tão sentida, como desejada e apreciada fora a sua visita.
Nunca, em parte alguma, sentimento mais espontâneo, veemente e sincero, tomou corpo e se volveu em monumento, que o transmitisse à posteridade. Ele aí está, pois, singelo e elegante, a atestar, num dos melhores largos da vila, quanto pode e vale o amor de um povo pelas virtudes preclaras de um rei justo e bom. Os sorrisos de alegria, a breve trecho seguidos das lágrimas da saudade, fundiram-se nesse pedaço de mármore, artisticamente cinzelado, como recordação indestrutível daqueles sentimentos opostos, despertados pela visita do saudoso monarca.
Percorrendo o Alentejo, D. Pedro V visitara Portalegre, contando antecipadamente Castelo de Vide com honra igual. Mas parece que, segundo se dizia então com ou sem fundamento, mal entendidas rivalidades daquela cidade desvaneceram o intento do monarca, apoucando-lhe o valor desta vila, reduzida no seu conceito a pouco menos que uma aldeia.
Deste modo, as esperanças de Castelo de Vide esfriaram, desesperando de receber o hóspede real, conforme o projecto estabelecido. Acompanhando-o, porém, na qualidade de engenheiro fiscal das linhas férreas, Luís Victor Le Cocq, filho do proprietário da notável Quinta do Prado, conseguiu este vencer, ao que constava, as dificuldades postas, levando o monarca a persistir no seu primitivo propósito. E cerca da meia-noite de 6 de Outubro chegou realmente a Castelo de Vide a participação da régia visita no dia seguinte. Alvoroçaram-se de contentamento os seus moradores, que, em tão curto prazo, mal podiam preparar-se para o receber condignamente. Contudo, o júbilo e o brio próprio redobraram os esforços de todos, e todos com afã meteram ombros à empresa dos preparativos da recepção, que foi carinhosa e digna.

D. Pedro, mal prevenido, como estava, a respeito de Castelo de Vide, saiu de Portalegre para a visitar mais que modestamente, sem fausto nem aparato algum que denunciasse a sua alta categoria social. Veio a cavalo, acompanhado de um ministro apenas, e alguns soldados, poucos. Esperado à Porta da Aramenha, onde entrou, o rei relanceando a vista para a vila e cortejo, que o aguardava, exclamou surpreendido:
  • “Mas isto tem o aspecto de uma cidade”!... E, desculpando-se da simplicidade com que vinha, recusou-se a entrar debaixo do palio. Instado, porém, cedeu, e, assim, se dirigiu à igreja matriz, donde, após a adequada cerimónia religiosa, saiu para visitar a Câmara e os estabelecimentos de caridade.
Depois disto, o rei seguiu para o Prado, onde almoçou, apesar de preparado para o receber o instituidor do Asilo dos Cegos, João Diogo J. S. Sameiro. O almoço valeu ao proprietário da quinta, João José Le Cocq, uma comenda, distinção merecida não tanto pela refeição dada, como pela sua incontestável competência agrícola, de que era testemunho insuspeito o local, em que ela se realizara. E vista a quinta, que o rei, sem dúvida, apreciou como merecia, regressou a Portalegre. Assim terminou este dia, singularmente festivo, para Castelo de Vide.

Cortesia de adecdev

A impressão de agrado, que ele deixou no ânimo do povo e do rei, foi a um tempo grande e profunda:
  • a afabilidade deste, apoiada na fama justa dos seus méritos, correspondeu ao entusiasmo delirante, que animava aquele, ovacionando-o.
Por isso, quando a notícia infausta do seu passamento rebentou inesperada em Castelo de Vide, a consternação foi geral. As alegrias, ainda mal apagadas no rosto dos que, há pouco, o festejavam, esperançados na larga duração de um reinado feliz, se transmudaram em lágrimas de pesar e luto por tão prematura morte, que assim vinha ceifar as esperanças cimentadas nas virtudes reconhecidas do desditoso monarca. Tão funda e geral foi a mágoa, que, alanceando os corações dos filhos desta terra, para logo lhes despertar a ideia simpática de perpetuarem a sua memória no mármore com o levantamento de uma estátua. Partiu ela de um médico distintíssimo, que então tinha Castelo de Vide, João António dos Santos Silva, mas aceite por todos com entusiasmo sincero, como o mostrou a sua tão pronta, quanto possível realização.

No entanto, para esta se levar a cabo, nomeou-se uma comissão, presidida pelo próprio iniciador da ideia do monumento. Dissolvida ela por qualquer motivo, que ignoro, foi substituída por outra, a que presidiu o comendador Le Cocq. Foi esta nova comissão, que, aproveitando embora os trabalhos da anterior, pôs o remate à empresa. Mas, levantada a estátua, não cuidou da inauguração dela:
  • deu por concluída a sua missão. E até 1 Julho de 1873 não se pensou em inaugurar o monumento, ou, se se pensou, não se empregaram os meios precisos para o conseguir.
Sucedeu isso, como disse, em Julho de 1873. Em reunião pública, nos paços do concelho, à qual presidiu o mesmo comendador Le Cocq, se resolveu, com efeito, a inauguração da estátua em Setembro próximo. Nomearam-se para isso duas comissões, que se denominaram, uma directora e a outra executiva. Aquela de pura homenagem a certas personalidades, presidida por João António M. Leote; e esta por quem isto escreve, tendo como vice-presidente José Frederico Laranjo e secretário José António Serrano. E os respectivos trabalhos começaram com actividade e entusiasmo.
Foram, porém, entravados por um acontecimento tão inesperado, como doloroso para mim. A doença grave de uma irmã muito querida, que bastante tempo lutara com a morte, afastou-me do convívio dos meus camaradas. Quando, terminada com felicidade a causa do afastamento, retomei o meu lugar, vim no conhecimento de que coisa alguma se adiantara durante ele. Ponderando, por isso, a dificuldade de, no curto prazo que restava, nos desempenharmos dignamente da delicada missão, que nos fora confiada, propus o adiamento dos festejos. O Sr. Laranjo, que a esse tempo ia já rasgando o caminho, que o havia de levar a S. Bento, combateu-o, julgando suficiente para si esse curto prazo. Declinei, então, voluntariamente o encargo, tomando daqui por diante o sr. Laranjo a direcção dos preparativos da inauguração.

Assim veio esta, com efeito, a realizar-se no dia aprazado, que fora o de 29 de Setembro de 1879. Ainda que feita, no conjunto, com brilho, não foi, a meu juízo, isenta das máculas, que previra, além de outras, devidas em parte à estreiteza do tempo. A discussão pública delas pela imprensa, ainda muito pouco vulgarizada em Castelo de Vide, provocou ao tempo ressentimentos, que não cabe aqui apreciar. E que coubesse, não seria eu que o fizesse com receio de parecer suspeito, atento o papel que desempenhei nesta questão de importância mais que duvidosa, mesmo ao tempo em que se ventilou. Direi apenas aos que se sentirem dominados por invencível curiosidade que a podem satisfazer com a leitura de um opúsculo, por mim publicado então, no qual se encontram compendiadas todas as peças desse esquisito processo. Pouco mais ou menos o que foi, no fundo, a questão do teatro modernamente, e como seria a do relógio em 1498, guardada a diferença dos tempos:
  • Um molho indigesto de ingredientes vários, como ingenuidades, boa fé, ambições, ignorância, vaidades, etc.
Não aprovo, nem aconselho a receita. Cada qual fique com o que tem e cozinhe a seu modo.
Tal é, a traços largos, a história da estátua de D. Pedro V, a qual aí vemos altear-se na praça, a que ela deu o nome». In César Videira, Memória Histórica, Castelo de Vide, Edições Colibri, CIDEHUS, 2ª edição, 2008, ISBN 978-972-772-802-2.


Cortesia de E. Colibri/JDACT