segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Fernando Correia de Oliveira: 500 anos de Contactos Luso-Chineses. «Por ordem de Fernão Peres de Andrade, os navios dispararam uma salva de canhão. Era a prática corrente, usada por todo o Índico, mais para “saudar”, do que para impressionar»

Representação europeia de chineses, 1596
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Como Elefante em loja de Porcelanas
«Enquanto se tratou de comércio puro e simples, os portugueses conseguiram entender-se bem com os chineses de Guangzhou, um dos portos da China do Sul destinados ao comércio tributário. Mas estes estranhos intrusos nos circuitos económicos regionais quiseram mais:
  • ao ritmo das descargas de canhão, procuraram estabelecer fortalezas-feitorias e dialogar de igual para igual com o imperador. O que tinha resultado em África e no Índico não iria dar frutos no Pacífico. Pelo menos com essa táctica.
Numa armada capitaneada por Lopo Soares de Albergaria (designado governador do Estado da Índia), partida de Lisboa em 1515, seguia Fernão Peres de Andrade, que levava como missão expressa a "descoberta" da China. Em início de 1516, e a partir de Cochim, sai a nova armada, composta por oito navios, carregados de pimenta. Incluíam-se alguns juncos pertencentes a mercadores malaios, que se associavam assim à expedição diplomática e comercial lusa. Todos os barcos eram capitaneados por portugueses, estavam bem armados e tinham chineses por pilotos.
A 15 de Agosto de 1517, depois de passarem por uma zona infestada de piratas, e de encontros mais ou menos amistosos com juncos chineses encarregados de patrulharem essas águas e protegerem o comércio, os portugueses chegaram à ilha de Tunmen (Tamão, nas fontes portuguesas da época). Sabe-se que se situava algures no delta do rio da pérola, mas a sua localização exacta é ainda motivo de pesquisa e debate entre os historiadores. Contactadas as autoridades marítimas e alfandegárias chinesas, Fernão Peres de Andrade explicou que trazia uma embaixada dos “folangji” ao «rei da China». Mas foi-lhe respondido que ninguém ali tinha autoridade para autorizar a subida do rio, até Guangzhou. Depois de alguma pressão, os chineses cederam, e até forneceram um piloto à esquadra. A frota chegou a Guangzhou no final de Setembro de 1517.

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Por ordem de Fernão Peres de Andrade, os navios dispararam uma salva de canhão. Era a prática corrente, usada por todo o Índico, mais para «saudar», do que para impressionar. Os chineses é que não estavam habituados a isso por parte de quem até aí os visitara, súbditos de Estados tributários do imperador.
Para os registos chineses ficava, assim, “a conduta imprópria dos portugueses, que não só estavam ali sem autorização das autoridades competentes, como tinham cometido uma falta contra os costumes da terra, ao fazerem disparar os canhões”. Fernão Peres de Andrade desculpou-se como pôde, manifestando ignorância dos costumes da terra. Ao saber da presença de tão insólita embaixada, o governador das províncias de Guangdong e de Guangxi mandou um emissário indagar. Os portugueses foram instruídos pormenorizadamente das normas de etiqueta, para que novas «gaffes» não fossem cometidas. E, assim, deu-se o primeiro encontro formal entre a embaixada lusa, por um lado, e os mandarins de Guangzhou e o emissário do governador, por outro. O local escolhido pelos chineses foi a mesquita da cidade, demonstrando deste modo que a maioria, se não a totalidade, das delegações que nos últimos séculos tinham demandado a China eram provenientes de Estados islamizados.

Explicado o objectivo da missão, o contacto directo com o imperador, os mandarins fizeram o que era normal, pois assumiam estar perante mais uma visita de cortesia, no âmbito do comércio tributário:
  • procuraram nos registos, a “Colecção das Ordenações” da dinastia Ming, anteriores visitas dos tais “folangji”.
E não encontraram nada. Os chineses prometeram fazer um relatório sobre esta situação inédita e mandá-lo à corte imperial.

Cortesia de wikipedia

Enquanto esperavam pela resposta, os portugueses foram autorizados a permanecer em terra. Da comitiva fazia parte Tomé Pires, boticário, que servira dois anos em Malaca como escritor da feitoria, contador e vedor das drogarias. Pires era', sem dúvida, o português e ocidental que, no seu tempo, mais sabia da Ásia do Sueste e do mar da China. Mesmo assim, sabia relativamente pouco, ou não escreveria na “Suma Oriental” (1515, tratado que o tornou famoso) que com um punhado de barcos Portugal conquistaria as costas da China. Ele e outros cinco ou seis desembarcaram, ficando a viver na casa do superintendente de comércio chinês. Ao lado, fechados a cadeado, os presentes que estavam destinados ao imperador.

Em Malaca, quando chegaram notícias da expedição de Fernão Peres de Andrade ao delta do rio da Pérola, os portugueses ficaram ainda mais encorajados com as hipóteses de comércio, sendo despachado, em Março de 1516, outro junco para a China, sob o comando de Jorge Álvares. Quanto a Fernão Peres de Andrade, depois do episódio da carga de canhão, despedia-se da China em Setembro de 1518. Chegado a Malaca, já era “mui próspero em honra, e fazenda”.
Ao serviço dos Reis Católicos, o português Fernão de Magalhães iniciava, entretanto, a primeira viagem de circum-navegação. Parte a 20 de Setembro de 1519 de Sevilha, morte a 27 de Abril de 1521, nas Filipinas». In Fernando Correia de Oliveira, 500 anos de Contactos Luso-Chineses, Público, Fundação Oriente, 1998, ISBN 972-8179-28-6.

Cortesia de Fundação Oriente/JDACT