quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Gama Caeiro. A Assistência em Portugal no Século XIII e os cónegos regrantes de S. Agostinho: «Não é muito o que se pode extrair dos elementos e considerações agora trazidos à colação, sobre pobreza, assistência e hospitalidade entre regrantes. Pelo contexto se deduz que a enfermaria devia funcionar dentro do espaço claustral do próprio mosteiro. Não se fala de “hospitale”, mas sim de enfermaria»

Cortesia de ialtacultura

«Afirma Dom Paio:
  • Prior Monasterij beati Vinaentij Vlirsbonensis, cum fratribus omni,bus sa,lutem, et per obedientiam caelestia ,regna prornereri. Dicimus nobis in virtute obedire,ntiae, ut persolu:atis decimas omnium rerum, qtns nobis Domìnus dederit hospitali nostro, sicut iam ex Regula est determinatum in nostro Capitulo Generoli; et sicut nos beatus Augustinurs docet, ubi ait: Canonicì Regulores, tam de frugibus, quam etiam de omnium eleemosinorum oblationibus in resus pauperum decimas libentissime ad suum conferant hospitale.
Este testemunho é completado pela carta do prior Dom João, que Nicolau de Santa Maria, em 1668, também transcreve parcialmente mas com bastantes alterações, na IIª Parte da «Crónica da Ordem dos Cónegos Regrantes» e em que se caracteriza o hospital por algumas das suas finalidades: «Quoniam ad relectionem infirmorurn et adventantiunt pauperum Hospítale construxistis» [. . .] e, depois de invocar largamente os preceitos da regra de Santo Agostinho, informa do meticuloso rigor com que as décimas eram cobradas, para o hospital, não só de todo o património do Mosteiro, mas também do clero que estava submetido à sua jurisdição, e dos réditos das herdades provenientes da venda do pão, do vinho, e dos outros produtos, e ainda sobre porção que o Mosteiro cobrava das searas, sementeira que tinha na Granja.

Falta ainda um estudo económico sobre o valor do domínio fundiário dos Mosteiros de S. Vicente e de Santa Cruz, no século XIII, mas não é temerário avançar que os réditos provenientes desta cobrança de impostos, os dízimos, seriam muito consideráveis e justificavam um hospital importante. Os testemunhos citados falam de «hospital» para designar um local em que se acolhem e restabelecem enfermos (ad refectionem infirmorum) e se albergam pobres adventantium pauperum).

Cortesia de wikipedia

Outro manancial precioso de informações sobre as práticas assistenciais entre os regrantes é a já citada memória «Gemma Corone». Na complexa trama de relações, de direitos e de deveres estabelecidos entre os cónegos e os que dependiam do mosteiro, figura a obrigação de, quando faleça algum desses subordinados, «quod ante recessunt debunt se in suis ospitiis visitare»; mas aqui «hospício» parece não envolver a ideia de pobreza, designando simplesmente o local de acolhimento.

A memória, que traduz um propósito de edificação espiritual para os cónegos, fala na obrigação dos priores e demais oficiais – considerados «Pauperes Christi» - de, em cada um dos mosteiros, e por força das esmolas, sustentarem e restabelecerem a saúde dos pobres. E, no caso de disporem de rendimentos provenientes de décimas, que se empreguem escrupulosamente, «perfecte et integre», no competente destino, ou seja, «propriis hospitalibus [. . .] suorum monasteriorum, ad opus pauperum constilutis».

 
Cortesia de wikipedia

É este o destino geral, correspondendo a fundo apelo cristão, que parece importante frisar, «ad opus pauperum», pois envolve numerosas actuações dos regrantes - quer individualizadamente, «singulis singulos», quer no plano da corporação, em matéria hospitalar, ou assistencial em amplo sentido (como a extraordinária intervenção no caso da Grande peste, aspecto que omitimos agora, por cair fora do período tratado). O regime de assistência hospitalar reservada aos cónegos regrantes erra no entanto diferente da prestada a terceiros - um tipo de assistência interna, e outra externa - e corresponde igualmente a terminologia diversa. Em relação às insistentes e severas proibições, sobre o uso alimentar da carne, entre os regrantes, é ainda o »Gemma Corone» que nos esclarece dos casos de excepção à abstinência prevista na regra, só dela ficando dispensados os cónegos gravemente enfermos (especifica: «infirmitate gravissima) e por expressa prescrição médica «etiam de medicorum consílio» e que se encontrem retidos no leito e internados «in infermitorio», na enfermaria.

Pelo contexto se deduz que a enfermaria devia funcionar dentro do espaço claustral do próprio mosteiro. Não se fala de «hospitale», mas sim de enfermaria.

Deve-se concluir:
  • Não é muito o que se pode extrair dos elementos e considerações agora trazidos à colação, sobre pobreza, assistência e hospitalidade entre regrantes. Foi já aqui lembrado que iniciávamos um caminho; mas merece a pena, neste ponto de arrancada, fazer com humildade o inventário da nossa ignorância e avaliar as direcções possíveis da pesquisa, ensaiando os métodos convenientes, que permitam ultrapassar em breve este estádio de pobreza».
In A Pobreza e a Assistência aos Pobres na Península Ibérica durante a Idade Média, Instituto de Alta Cultura, Centro de Estudos Históricos, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1974.

Cortesia de Imprensa Nacional-Casa da Moeda/JDACT