terça-feira, 1 de novembro de 2011

O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa: Carl Erdmann. «…aceitaremos a probabilidade de Henrique se ter encontrado em 1103 com o papa, e neste caso podemos admitir com muita probabilidade que o conde Henrique esteve pessoalmente em Roma e conseguiu de Pascoal II decisão definitiva sobre a questão bracarense, porque só então o papa reconheceu Braga definitivamente como metrópole da Galiza»

Cortesia da uc

Introdução
As primeiras relações entre Roma e Portugal
«Podia agora pensar-se em reatar as relações directas com Roma e, o que era ainda mais importante, restituir a Braga a autoridade de metrópole. Entretanto o cardeal Renato, que anos atrás não tinha acedido às instâncias do bispo Pedro, fora eleito papa, tomando o nome de Pascoal II. A experiência desastrosa que fizera então levara-o certamente a considerar agora as coisas com mais clemência. No tempo de Pedro as condições, tanto de ordem política como pessoal, não eram favoráveis à restauração da metrópole bracarense. Não sucedia agora assim.
Desgraçadamente, não há para esta questão fontes directas. Ignoramos se Geraldo foi naquela data pessoalmente a Roma, e qual foi o papel desempenhado pelo conde Henrique. Um facto ao menos está averiguado: que Pascoal deu, ainda em 1099 ou 1100, uma sentença favorável aos direitos de Braga, e que esta decisão foi reconhecida pelo concílio de Palência, convocado em 5 de Dezembro de 1100 pelo cardeal-legado Ricardo de Marselha.


Cortesia de uc e wikipedia

Possuímos o teor dum breve dirigido aos bispos de Espanha, em que Pascoal confirma, um ano mais tarde, a 28 de Dezembro de 1101, aquela resolução convidando os bispos que segundo a antiga jurisdição pertenciam à província de Braga a submeterem-se ao novo metropolitano. Não se resolvia ainda quais haviam de ser as dioceses sufragâneas nem se concedia, ao que perece, o próprio privilégio metropolitano. Como sucedera com a restauração de Tarragona e mais tarde com a elevação de Compostela a metrópole, a cúria evita arrumar já de vez o problema da divisão eclesiástica. No caso de Braga, a restauração da metrópole fez-se também em duas etapas.
Enquanto se mantinha esta, situação provisória, um acontecimento imprevisto veio modificar o estado de coisas. O bispo Diego de Compostela, que durante os próximos decénios será a figura principal da igreja hispânica, veio em Novembro de 1102 a Braga para fazer valer as suas reivindicações sobre as igrejas de S, Vítor e S. Frutuoso. O arcebispo Geraldo, que até àquela data mantivera boas relações com Diego e até o havia feito cónego de Santiago, recebeu-o bem. Mas Diego aproveitou a ocasião para roubar daquelas igrejas as relíquias mais importantes, que eram o orgulho de Braga, e levá-las para Compostela.

O documento desta «translatio», escrito por uma testemunha ocular, o arcediago Hugo, documento que entrou na "História Compostelana", celebra este «pium latrocinium» com a maior ingenuidade, como se fora uma façanha inspirada por Deus. Braga, porém, tremia de indignação, e ainda hoje se não perdoou o roubo aos Compostelanos.
Era o momento de Geraldo se pôr a caminho de Roma, não só para reivindicar os seus direitos contra Diego, mas também para regular a posição da sua igreja e resolver vários litígios.

Cortesia de wikipedia

Parece que o conde Henrique acompanhou o arcebispo nesta viagem; sabe-se que se encontrava em Maio de 1103 numa cruzada, mas sem dúvida não chegou à terra santa, visto encontrarmo-lo, a partir de Fevereiro de 1104, novamente na península. O motivo do seu regresso não pode ser duvidoso:
  • Repetidas vezes Urbano II e Pascoal II tinham proibido aos Hispanos a ida à Palestina e haviam feito regressar todos aqueles que se encontravam a caminho da terra santa.
Se atendermos a que a rota vulgar dos cruzados da Europa ocidental passava por um porto da Itália meridional, onde embarcavam, aceitaremos a probabilidade de Henrique se ter encontrado em 1103 com o papa, que o fez desistir da continuação da cruzada, Deve ter isto sucedido ainda em Maio daquele ano, quer dizer, na época em que o arcebispo Geraldo se encontrava em Roma, e neste caso podemos admitir com muita probabilidade que o conde Henrique esteve pessoalmente em Roma e conseguiu de Pascoal II decisão definitiva sobre a questão bracarense, porque só então o papa reconheceu Braga definitivamente como metrópole da Galiza e entregou a Geraldo o pálio e o privilégio infelizmente perdido, mas que podemos reconstituir nas partes essenciais com os fragmentos encontrados recentemente. São mencionados agora os bispados sufragados, decidindo o papa em sentido muito favorável para Braga. Geraldo não recebe apenas os bispados galécios que indubitavelmente pertenciam à sua província, isto é, Astorga, Lugo, Tuy, Mondoñedo, Orense e Porto (faltava só Iria-Compostela, que Urbano II havia eximido), mas também Coimbra com as duas dioceses, Viseu o Lamego, que por ainda não estarem restauradas eram administradas por aquela só. No ponto de vista jurídico, a atribuição destas três dioceses à província de Braga era mais do que duvidosa, e a decisão de Pascoal provocou as mais intensas lutas, que se prolongaram durante todo o século XII». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.

Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT