A
Mulher que Amou Jesus
«(…) Fique perto de nós!, advertira
o pai de Maria. A sua mãe pegara na sua mão e a puxara para perto de si. Quase
entrançadas, arrastaram-se pelas ruas, passando pela enorme fortaleza romana
que chamavam Antónia, que vigiava, e fazia o papel de cão de guarda, o Templo e
as suas instalações. Fileiras de soldados romanos, de pé nos degraus, em
uniforme de gala, de lanças em punho, observavam, impassíveis, a multidão que passava.
Para o exército romano, a festa significava um alerta máximo, a fim de dispersar
quaisquer distúrbios ou tentativas isoladas de provocar uma revolta por parte
de algum candidato a Messias. As principais regiões da Judeia, de Samaria e da
Idumeia estavam sob directo controle romano. O que incluía Jerusalém, o maior
dos prémios. O procurador romano, que normalmente residia na cidade de
Cesareia, no litoral, deslocava-se, relutante, a Jerusalém durante as grandes
festas dos peregrinos. Assim, o Templo era guardado por uma fortaleza de
soldados romanos, pagãos que menosprezavam um lugar sagrado.
A família de Maria foi carregada
pela corrente humana de peregrinos, que agora se movia mais rapidamente, voando
em direcção ao próprio Templo. Erguido em direcção ao céu, o mais sagrado dos
locais do judaísmo convocava todos os seus fiéis. Um enorme muro de mármore
branco envolvia os prédios propriamente ditos e a plataforma; na luz da manhã,
era um reflexo deslumbrante. O parapeito de um dos vértices era considerado o
lugar mais alto de toda a Jerusalém. Por aqui!, gritou Eli, puxando o
bridão do jumento. E foram todos arrastados pela grande escadaria que os
levaria ao nível do Templo. E, em seguida, para dentro das instalações do
Templo sagrado, local iluminado. O espaço, plano, era enorme. E teria parecido
ainda maior se não estivesse repleto de peregrinos. O grande Herodes havia
duplicado a sua área original, construindo um imenso muro de extensão, como se
isso duplicasse a glória do lugar, bem como o seu nome. Mas não alterou as
dimensões do Templo propriamente dito, que abrigava o que Salomão denominara o
Sagrado dos Sagrados, que parecia pequeno, se comparado à ampla plataforma de
Herodes.
Herodes não poupara em decorações,
o edifício era uma jóia em excessos arquitectónicos. Enormes cavilhas douradas
projectavam-se do tecto, reflectindo a luz do sol. O edifício, sumptuoso, fora
erguido acima do nível do terreno, e os fiéis deviam subir uma escadaria para
alcançá-lo. No pátio externo, a Corte dos Gentios, não era permitida a entrada
a ninguém. Seguia-se uma área exclusiva para judeus. A divisória seguinte não
permitia a entrada de mulheres, de maneira que somente israelitas do sexo masculino
podiam entrar. E, por fim, somente os sacerdotes tinham permissão de acesso ao
altar e aos locais de sacrifício. Quanto ao santuário, era proibido a todos os sacerdotes,
excepto os escolhidos para celebrar os cultos da semana; o Santo dos Santos só
podia ser visitado uma vez por ano, pelo Sumo Sacerdote. Caso fosse necessária alguma
reforma, os trabalhadores desciam, suspensos numa gaiola que os impedia de ver
qualquer coisa dentro do Santo dos Santos. O Santo dos Santos: vazio e solidão
em que residia o espírito de Deus, uma câmara fechada no coração do Templo,
onde não entrava luz, sem janelas, e protegido por uma cortina espessa.
Mas tudo o que Maria conseguia
ver era a imensidão do lugar e o mar de gente fervilhando à sua volta. Estava
de pé, no pátio externo, a Corte dos Gentios, pois ali era permitida a presença
de descrentes. Rebanhos de animais a serem sacrificados, gado, cabras, ovelhas,
baliam e berravam num dos cantos, enquanto os trinados que se ouviam das
gaiolas de passarinhos que iam para o sacrifício davam um toque de doçura que
se sobrepunha à balbúrdia geral. Mercadores gritavam, de pórticos cobertos,
situados em cada extremidade da plataforma, gesticulando e tentando atrair fregueses.
Trocamos dinheiro! Trocamos dinheiro!, gritava um deles. Moedas não autorizadas
não podem entrar no Templo! Câmbio aqui! Câmbio aqui! Amaldiçoado seja aquele
que trouxer dinheiro proibido! Minha cotação é a melhor!, berrava outro.
Calem a boca!, resmungou Eli, pondo as mãos nos ouvidos. Será que não podem
calar a boca? Estão profanando o lugar! Ao se aproximarem do portão, Maria viu
cartazes, em grego e latim, colocados a intervalos regulares ao longo da
entrada. Ah, se soubesse ler! Deu um puxão no casaco de Silvanus,
perguntando-lhe o que diziam os cartazes. Todo aquele que for preso será morto,
e somente ele será responsável pela sua morte, disse Silvanus. É
rigorosamente proibido que não-judeus passem por este portão.
E será que alguém foi morto por
tentar fazê-lo? A pena de morte parecia-lhe excessiva para a curiosidade. Gostaríamos
de pensar que Deus seja mais..., esclarecido que alguns de seus fiéis, disse
Silvanus, como se lesse os seus pensamentos. Imagino que, para Deus, qualquer
pagão curioso seria bem-vindo, pois descobriria outra forma de religião, mas os
seus sacerdotes não pensam dessa forma. Silvanus pegou na sua mão, para mantê-la
junto a si no meio da multidão. Vamos lá. Passaram, sem ser incomodados, por
uma enorme porta de bronze que dava para um pátio murado que, como o exterior,
tinha vários pórticos e outras estruturas construídas nos cantos. Mas Maria não
reparava nisso, só olhava para o Templo, no alto de uma série de degraus para
além do pátio. Grande e imponente, era o maior edifício que ela já vira ou
imaginara. O mármore branco, reflectindo a luz do sol da manhã, brilhava como
neve, e os seus batentes, com frisos de ouro acima das suas imensas portas,
pareciam os portões de entrada para outro mundo. Projectava força e proclamava
que o Senhor Todo-Poderoso, Rei dos Reis, era muito mais formidável que
qualquer soberano terreno, que qualquer rei da Babilónia, da Pérsia ou da Assíria.
E era, na realidade, o que parecia: um imenso palácio de um potentado oriental».
In
Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições
Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.
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