A
Mulher que Amou Jesus
«(…) Contemplando-o, vinham à sua
cabeça as histórias e canções de como Deus esmagava os seus inimigos. Ali, na
sua frente, fiéis, apavorados, doavam os despojos do que haviam obtido a esse
rei terrível, era assim que entendia o sacrifício de animais, as oferendas e as
nuvens de incenso. Significavam medo. Quem entrasse na sala errada podia ser
morto. Quem usasse moedas proibidas podia ser punido. E para quem ousasse
aventurar-se a entrar no santuário propriamente dito, a punição era superior à
da morte. Ela queria encontrar no seu Deus amor, orgulho e adoração, mas, em
vez disso, o que havia era medo. Um grupo grande de sacerdotes levíticos,
vestindo paramentos imaculados, encontrava-se nos degraus que separavam o Pátio
das Mulheres do Pátio dos Israelitas e do Pátio dos Sacerdotes. Cantavam
belíssimos hinos, acompanhados por flautas, e, além de suas belas vozes,
profundas, ouviam-se as vozes doces das crianças, a quem também era permitido
cantar. Outros sacerdotes recebiam as oferendas e conduziam aos altares, por
rampas, os animais a serem sacrificados. Cestas com cereais, dispostas em prateleiras,
eram apresentadas ao Senhor numa cerimónia especial. Por trás das
cabeças dos sacerdotes, Maria via, subindo do altar, a fumaça das oferendas
sendo queimadas. O cheiro forte do incenso misturava-se, mas não eliminava, ao
cheiro da carne e da gordura queimadas.
Quando foi a vez das oferendas do
seu grupo de galileus (seis cordeiros machos, dois bodes, um touro, uma cesta
de frutas e dois pães feitos com o trigo da nova safra), Maria pensou em
mandar, sub-repticiamente, o ídolo de rosto de marfim. Livrar-se dele, agora.
Seria sacrilégio tê-lo trazido aqui? Parecia que a queimava, sob as camadas de
pano em que o tinha escondido. Mas isso, naturalmente, era a sua imaginação. Se
o entregar, nunca mais o terei de volta, pensou. Irá embora para sempre. E
talvez fosse um insulto a Deus se o misturasse às outras oferendas. Vou
colocá-lo no bolso e, quando chegar em casa, tornarei a olhar para ele, para me
lembrar. Depois vou jogá-lo fora antes que o meu pai o veja e me castigue.
À saída, pelo portão principal,
Maria e sua família tornaram a passar pela Corte dos Gentios. Era tudo tão
grande, tão fora do comum, que dava vertigens. Lembrou-se das histórias que seu
pai contava durante a celebração do Sabá. Se eu entrasse no Templo, será que
veria a Arca da Aliança e as tábuas dos Dez Mandamentos?, perguntou
Maria a Silvanus. E aquela jarra em que é preservado o maná? Arrepiava-se ao
pensar nessas coisas tão antigas. Não iria ver nada!, disse Silvanus,
asperamente. Raramente Maria havia ouvido Silvanus falar nesse tom de voz. Não
há nada. Foi-se tudo quando o Templo de Salomão foi destruído pelos babilónios.
Há, é claro, a lenda de que a Arca foi enterrada em algum lugar. Naturalmente. Sempre
queremos acreditar que não perdemos alguma coisa, é sempre assim. Tinha o rosto
triste, no meio de todos os felizes peregrinos. Mas perdemos. Então, o
que há lá dentro? Nada. Está vazio.
Vazio? Toda essa imensidão, essa
imponência, todas essas regras, para adorar nada? Isso não é possível!, exclamou
Maria. Não faz sentido. Foi isso o que pensou o general romano Pompeu quando
conquistou Jerusalém há 50 anos. Então, ele foi lá dentro, para ver. E quando não
viu nada, ficou perplexo com os judeus. O nosso Deus é misterioso. Nem nós o entendemos
direito, mas, por adorá-lo, tornamo-nos um povo que nenhum outro compreende.
Fez uma pausa.
Mas Maria não desistia. Mas porque
temos, então, um templo, se as coisas preciosas que estavam lá, que serviam
para adorar a Deus, não estão mais? Foi Deus que pediu que fosse construído? Não.
Mas imaginávamos que o tivesse feito, pois todos os outros povos têm templos, e
nós queríamos ser como eles. Isso é verdade? Parecia extremamente importante
para Maria saber disso. O barulho das pessoas em volta tornou difícil ouvir as
palavras do seu irmão. Deus não deu instrução alguma a Salomão ou a David para
que fosse construído um templo. E o próprio Salomão o reconheceu, quando disse:
mas, de facto, habitaria Deus com os homens na terra? Eis que os céus e até o céu
dos céus não te podem conter, quanto menos esta casa que eu edifiquei. E agora,
isso te satisfaz? Olhou-a com carinho. Se não fosse uma menina, eu diria que
ainda seria uma pesquisadora, uma escriba. Eles estudam isso o dia inteiro». In
Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições
Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.
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