Isabel. Maio de 1588
«(…) Começou com 30 mil homens e
dizem que hoje conta com apenas 17 mil. Incluindo os mil ingleses exilados que
lutam contra o seu próprio país. Os olhos dele arregalaram-se lembrando o
Robert na juventude. Também lhes falta dinheiro e não terão mais nada até que a
próxima frota de tesouro venha da América. Juntei-me a ele num sorriso
malicioso. E os nossos leais corsários tentarão interceptar. Estava fora do país,
mas sabia que, devido às incursões de Drake na última metade de 1586, os espanhóis
não tiveram acesso à prata alguma? Nós dois demos uma boa gargalhada, assim
como já fizéramos tantas vezes juntos, nos mais
diferentes lugares. A risada dele ainda era jovial. Nenhuma?, perguntou. Nada
mesmo, confirmei. Nem uma barrinha. E, além disso,
o ataque liderado por ele em Cádiz na Primavera passada acabou com os navios e
os suprimentos deles de tal maneira, que ele sozinho conseguiu atrasar a navegação
da Armada num ano. Isso fez com que houvesse mais mortes e deserções para os
homens de Parma. Até nós sabemos disso. Navegar nas próprias águas, atacando a
mais de mil quilómetros da base inglesa, foi um acto insolente e impensado.
Pelo menos, os espanhóis não pensavam ser possível. Agora todos têm medo dele.
Um capitão espanhol que foi capturado, e que eu mesmo interroguei, acreditava
que Drake tinha poderes sobrenaturais e conseguia ver os portos mais distantes.
Não tirei a ilusão dele. Certamente, Drake parece ter a misteriosa capacidade
de adivinhar onde está o tesouro, quais os locais que possuem sentinela e os
que não. E ele se desloca com a habilidade surpreendente de uma cobra prestes a
dar o golpe. Divertido, não é? Ele parece tão inofensivo, com aquele rosto
redondo e as bochechas rosadas.
Os seus navios são suas garras.
Ele os usa como um homem comum usa a própria mão ou o próprio pé, parecem fazer
parte do próprio corpo, afirmou Robert, balançando a cabeça, admirado. Chegamos
ao relógio de sol, um cubo com várias faces que informava a hora de trinta maneiras
conforme o sol reflectia em cada superfície. Fora um presente da rainha
Catarina de Médici quando os seus filhos príncipes,
um de cada vez, vieram cortejar-me. Acho que ela pensou que, talvez, um presente
grandioso, vindo da mãe dos dois, causaria uma impressão maior do que vários
pequenos presentes. Era um mecanismo engenhoso. Uma das faces marcava as horas
até durante a noite, à luz do luar, caso a lua brilhasse o suficiente. Marcava
4 da tarde numa das suas faces. Hoje não iria anoitecer antes das 9 da noite,
um daqueles doces crepúsculos prolongados da Primavera.
Havia até uma face em que se
podia ver a hora conforme a última luz diminuía, um indicador de crepúsculo. Robert
aproximou-se de uma das faces do relógio de sol e perguntou: não gostou do lírio?
Gostei, respondi, sentindo-me mal pela forma como recebi a flor.
Mas não cabia a ele naquele momento oferecê-la a mim. Foi um gesto típico. Ele
olhou em volta do jardim e perguntou novamente. Por que a senhora não tem rosas
aqui? Como o jardim de uma Tudor não tem rosas? Elas são muito altas para o
gradil. Atrapalhariam a ordem do jardim. Mas, perto do pomar, há muitas delas. Mostre-me,
disse. Nunca as vi. Saímos do pequeno jardim fechado e seguimos pelo caminho
que conduz ao pátio dos torneios medievais e suas arquibancadas. Suportes de
ferro cercavam o muro para que tochas fossem encaixadas durante os torneios. Robert
já havia participado de muitos, mas agora não lutava mais. Percebi que ele
estava sem fôlego na nossa curta caminhada e então lembrei-me de algo. Renunciou
ao posto de mestre da cavalaria, disse. Porquê, Robert?
Todas as coisas são efémeras, respondeu
subtilmente. Mas Burghley ainda me serve! Os dois foram as minhas primeiras nomeações,
na minha primeira reunião do Conselho! Ainda a sirvo, minha Be..., Majestade. Não
mais como mestre de cavalaria. Embora ainda crie cavalos. Então..., quem é o
mestre agora? Um jovem que descobri, Christopher Blount. Ele saiu-se bem nos Países
Baixos. Ficou ferido. Eu o condecorei. A senhora ficará satisfeita
com ele, tenho a certeza. Esse título pertence-lhe. Não mais. Na minha cabeça
será sempre seu. A nossa mente vê coisas que os nossos olhos não conseguem ver,
disse. Creio que permanecem vivas enquanto a mente que as vê continua
existindo. Sim, o jovem e belo Robert Dudley existia agora apenas na mente de Elizabeth
e nos retratos. Está certo». In Margaret George, Isabel I, O Anoitecer de
um Reinado, tradução de Lara Freitas, Geração Editorial, 2012, ISBN
978-858-130-076-4.
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